domingo, 27 de abril de 2014

"The Ghosts must be crazy", (Gui ye xiao 2011)

Desliguem os telemóveis durante o visionamento por favor

O híbrido de terror e comédia chegou para ficar. A horrédia (por que é a tradução de um neologismo nunca soa tão bem como na língua original?), “The Ghosts must be Crazy” segue-se à não menos louca antologia “Where got Ghost?” (2009) e encontra-se algures entre a comédia negra chico-esperta, para exemplos vide “The Cabin in the Woods” (2012) e a gargalhada de criar dores de barriga de “Tucker & Dale vs. Evil” (2010), mas mais perto desta última.


“The Ghosts must be Crazy” é um jogo de atenção pois quase todos os personagens de “Where got Ghost” regressam com variações das estórias que interpretaram nesta “prequela”, não necessariamente por ordem cronológica ou com alguma conexão lógica sequer. A antologia anterior reunia três segmentos: “Roadside got Ghost”, “Forest got Ghost” e “House got Ghost”, sendo que para “The Ghosts must be Crazy” recuperou estas duas últimas (e muito bem que eram as melhores) com um twist: desta feita Jack Neo limitou-se ao papel de argumentista-produtor e Mark Lee estreia-se como actor e realizador em simultâneo.

As curtas:
“The Day Off” – Dois reservistas preguiçosos estão empenhados em escapar ao penoso exercício anual e tentam convencer o novo Comandante a conceder-lhes baixa médica. Entretanto, um pobre coitado que estava mesmo doente e necessitava de ir para o hospital vê o pedido de internamento recusado pelo Comandante que acredita que todos o querem enganar para escapar ao dever. Quando esta decepção fracassa recorrem a técnicas de guerrilha para sabotar o treino. Mesmo que consigam enganar o seu comandante, as forças do sobrenatural nunca tiram folga…

“The Ghost Bride” – Um homem deseja atrair boa fortuna e decide tentar alcançar o seu objectivo através do jogo, acabando por fazer um pacto com o sobrenatural. Ele fica rico mas despreocupado e esquece-se de cumprir a sua parte do acordo. Os fantasmas não dormem e aquilo que deram podem tão facilmente retirar, isto, se ele fizer a única coisa que lhe pedem: casar com uma noiva fantasmas…

Sobre os filmes:
Desta feita prevaleceu o bom senso de “menos é mais”. Com menos estórias, com certeza as duas narrativas que escaparam ao corte serão mais trabalhadas e cuidadas certo? A resposta é negativa. “The Day Off” recupera a excelente química da dupla de actores John Cheng e Wang Lei que recuperam os papéis de Ah Nan e Ah Lei respectivamente, dois reservistas que não foram fadados para a tropa e utilizam todos os artifícios possíveis para escapar às tarefas duras que lhe são exigidas. Onde as interacções dos actores soavam antes pouco naturais, constituem agora os pontos altos da narrativa, apenas ultrapassados pelas tiradas brilhantes de Encik Muthu (David Bala). As aparições desta personagem nos vários filmes de Jack Neo são tão acarinhadas que Muthu até já virou meme! “I die! You die! Everybody dies!”

“The Ghost Bride” é apenas mais uma variação de crime e castigo. Sejamos sinceros. Quem é que pensava que recorria a métodos muito questionáveis para enriquecer, não fazia o que lhe competia para honrar a sua parte do acordo e não esperava algum tipo de retribuição? É preciso ser um bocadinho condescendente para não pensar que a audiência iria ter o mesmo raciocínio. Mas isso nem é o pior porque, ultrapassando a fraca estória, os efeitos gerados por computador são muito maus, aliás, demasiado maus para a quantidade de vezes que surgem no ecrã. Uma pessoa questiona-se se todo aquele (mau) aparato era necessário para contar uma história tão simples. Além disso, podia sempre alegar que Mark Lee dá uma mulher muito feia, mas isso não basta para ignorar o facto de que a “The Ghosts must be crazy” nada falta de más interpretações (sobretudo de personagens secundaríssimas), argumentos queijo-suíço, edição paupérrima e lições de moral – “Se escolheres tomar a mão do demónio, um grande preço terás de pagar”. Por isso é de estranhar que "The Ghosts must be crazy" seja tão surpreendente, um pequeno pecado mesmo, a contra-gosto que não dá para negar. Duas estrelas.


O melhor:
- Actores principais (com notáveis excepções)
- A primeira curta-metragem
- David Bala como Muthu
- O cabelo de Mark Lee

O pior:
- Argumento
- Os efeitos são “especiais” e não digo isso num bom sentido.

“The Day Off”
Realizador: Boris Boo
Argumento: Jack Neo e Ho Hee Ann
John Cheng como Ah Nan
Wang Lei como Ah Lei
Chua en Lai como Comandante
David Bala como Encki Muthu

“The Ghost Bride”
Realizador: Mark Lee
Argumento: Jack Neo e Ho Hee Ann
Henry Thia como Ah Hui
Mark Lee como Ah Hai / Chen Xiaojuan
Tay Yin Yin como ex-namorada de Hui

Próximo Filme: "Tales from the Dark - Part I"


domingo, 20 de abril de 2014

"Howling", 2012


Se pudesse passava dias inteiros a ver thrillers de suspense. Thrillers nunca são demais e visionar filmes que não ofendam a inteligência, isso então, é um achado. Junte-se-lhe um mistério detectivesco e um pouco de Kang-ho Song e terão um filme melhor que 85% dos filmes autointitulados “thrillers”, sem sequer se esforçar.

“Howling” é uma adaptação do livro “O Caçador” (2006) da escritora japonesa Asa Nonami que foca dois detectives que investigam o estranho caso de uma série de mortes interligadas pelo ataque de um animal selvagem. Eun-young (Na-young Lee) é uma detective recém-promovida que se tenta adaptar ao novo grupo de colegas mais experientes e misóginos que fazem questão de lhe mostrar, desde o início, que ali, não há lugar ela e que mais vale voltar para a polícia de patrulha. Sang-gil (Kang-ho Song) é um detective que se encontra no limiar da competência, mais preocupado com o filho delinquente e espera que os deuses da polícia ouçam a sua prece por casos fáceis e simples. Depois ainda se questiona como é que ainda não progrediu na carreira. Esta dupla é emparelhada à força pelas chefias quando surge um caso banal de suicídio. As perspectivas não podiam ser mais diferentes: Eun-young deseja provar que é mais do que uma cara bonita que subiu demasiado rápido e Sang-gil só quer fechar mais um caso sem atrair atenção negativa sobre si. Em ambos, os casos falham. A pressa de mostrar que é competente levam a detective a cometer alguns erros que apenas confirmam a ideia dos colegas de que ela nunca devia ter sido promovida. Quanto a Sang-gil espera-o um caso que o fará suar muito mais do que alguma o fez. O corpo de um homem, queimado até à impossibilidade de recognição, apresenta mordidelas de uma besta. Um cão? Um lobo? Porquê? O que começam por ser ataques aleatórios transformam-se num padrão com base num plano maléfico orquestrado até ao último pormenor…
Parelha improvável

A investigação instiga a curiosidade tanto do fã de mistérios detectivescos como do cinéfilo mais céptico pelo modo competente como é conduzida. Seguindo a fórmula tradicional, a película é um mix de géneros, que alterna entre o racional e o misticismo mas sem alienar o espectador. Mais notavelmente, “Howling” apresenta o ainda não cansado arquétipo do polícia negligente e mais, em confronto aberto contra a quebra das convenções: uma mulher no papel principal, profissional e inteligente que enfrenta a oposição de colegas comodistas e sexistas.
Admito, com um pouco de orgulho no realizador Yoo Ha, que ele deve ter resistido a uma pressão tremenda em transformar a protagonista feminina numa mulher com problemas por resolver com o paizinho e que, tudo quanto deseja, é ser protegida por um homem. Nada disso. A protagonista é colocada num pedestal, encontra-se num plano superior ao dos seus congéneres e até experiencia, (até me doeu a mim), uma tareia brutal. Na caracterização dos personagens reside pois a força de “Howling” que, despojado dos elementos místicos redundaria (quase) numa investigação tantas vezes visionada em cinema. Três estrelas.



O melhor:
- Kang-ho Song. Mas a sério, até a dormir ele fazia este papel
- Pouco melodrama
- Cinematografia

O pior:
- Se retirássemos o elemento lobo, seria uma investigação pouco mais do que óbvia;
- Tendência dos vilões em complicar.

Realização: Yoo Ha
Argumento: Yoo Ha e Asa Nonami (livro)
Na-young Lee como Eun-young
Kang-ho Song como Sang-gil
Sung-min Lee como Detective Young-cheol
Jung-geun Shin como Detective-chefe
Hyeon-seong Im como Detective
Jeong-jin como Detective

Próximo filme: "The Ghosts must be crazy", 2011

domingo, 6 de abril de 2014

"Noriko's Dinner Table" (Noriko no shokutaku, 2005)


O mundo precisava mesmo de uma sequela de “Suicide Club” (2001)? Quer queiram ou não, ela existe. Desta feita, Shion Sono apresenta um tom mais familiar, centrado na vida de Noriko Shimabara (Kazue Fukushi) uma adolescente sonhadora que ambiciona deixar uma existência banal. Ela vive com o pai Tetsuzo Shimabara (Ken Mitsuishi), a mãe Taeko (Sanae Miyata) e a irmã mais nova Yuko (Yuriko Yoshitaka), todos eles demasiado distraídos para compreender que Noriko é mais do que uma rapariga que deverá cumprir tudo quanto é esperado dela. Na verdade ela encontra-se profundamente deprimida com a possibilidade de nunca abandonar a pequena vila que habita e onde todos, sem excepção, levam vidas sem quaisquer vestígios do Extraordinário. É isso que ela quer, o Excepcional. Quer partir para Tóquio, grande cidade e onde os sonhos são tão grandes quanto a cidade, isto é, maiores do que a maioria. Ela está registada num site onde encontra outras adolescentes tão alienadas quanto ela e, num impulso planeado, foge de casa para se encontrar com “Estação de Ueno 54” ou Kumiko (Tsugumi) que a leva numa viagem pelo mais bizarro de Tóquio, uma “seita” especializada no aluguer de famílias para corações solitários e indivíduos que perderam alguém especial.

Qualquer obra de Sono tem uma sinopse interessante, desde o suicídio em massa de adolescentes a extensões de cabelo assassinas em série, a sua filmografia promete bastante. Quando escreve em parceria ou deixa mesmo a tarefa para outros (evento raro) as películas fluem bastante melhor. Porque o homem, por bem intencionado que seja, é incapaz de editar o seu próprio pensamento resultando, depois, em obras que sentimos serem bem mais longas do que a sua duração real. Bem, “Love Exposure” (2008) tem Quatro! horas de duração. Multipliquem por dois e ficam a duração real de tempo desperdiçado. “Noriko’s Dinner Table” segue essa regra implícita. Desbastando a película em 30 minutos, “Noriko’s Dinner Table” seria mais directa ao assunto, sem perturbar o pensamento de quem o escreveu. O maior problema de Sono é não se conseguir abster de microanalisar a mais pequena expressão facial ou pensamento. Ele diz-nos em que reparar e como processar essa mesma informação. Mais condescendente e com menor fé no espectador é difícil. Essa sensação é depois acentuada pela narração constante. A vida interior dos personagens já é, por isso só, um livro aberto. A necessidade de preencher um espaço vazio percepcionado pelo argumentista-realizador como narração desnecessária é tão-só um preciosismo num filme já pejado de significações. Juventude alienada, sobretudo num país onde os jovens são sobre-estimulados, onde a doença mental ainda é olhada de soslaio, o poder da internet na criação de mundos secretos para mentes inquietas e a sua capacidade de distorcer e criar universos preferíveis àqueles que de facto habitamos, a reflexão sobre o que é a identidade e como esta nos influencia, a possibilidade de romper com o passado e inventar uma nova pessoa… Todos estes temas são abordados por diversas personagens com perspectivas muito diferentes… A fugitiva, aquela que apoiou e até encorajou a fuga, o que procura desesperado aquela que perdeu… E em pano de fundo uma pergunta, repetida até à exaustão, lavagem cerebral, cortesia de Shion Sono: estás conectado a ti próprio? Ao fim de uma hora, se ainda não estivermos conectados com a seca que de facto estamos a apanhar, não, se calhar, não estamos.

“Noriko’s Dinner Table” funciona melhor quando estabelece uma ligação ao predecessor “Suicide Club”, satisfazendo muito do que ficou por explicitar neste último. Talvez por compensação Sono tenha transportado demasiado para este Noriko. A transmissão das suas reflexões mediante a apresentação da tragédia de uma família que, em última análise, não se conhece de todo, é capaz de aproximar mais as audiências. No entanto, quando esta for fim se volta a sentar ao redor de uma mesa, trocando sorrisos e passando comida uns aos outros, este cenário parece estranhamente artificial. Duas estrelas.

O melhor:
- O elenco
- Temas com os quais as sociedades modernas se podem identificar

O pior:
- Duração
- Infantilização do público

Realização: Shion Sono
Argumento: Shion Sono
Kazue Fukushi como Noriko Shimabara
Ken Mitsuishi como Tetsuzo Shimabara
Tsugumi como Kumiko
Sanae Miyata como Taeko
Yuriko Yoshitaka como Yuko

Próximo filme: "Howling", 2012
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