terça-feira, 17 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte cinco



Chegados ao último de festival, houve oferta para todos os gostos: "My Friend Dahmer" que é o biopic de um serial killer, "Housewife" que aborda traumas passados e seitas maníacas ou um "Better Watch Out", no ainda não gasto formato do "home invasion". Quanto a este último, fiz batotice, pelo que será disponibilizado no Scifiworld Portugal. Ordens do chefe!

Dia 5

“My Friend Dahmer” (2017)


Quando soube que iam fazer uma película sobre um jovem Jeff Dahmer temi, talvez por não ser fã de assassinos em série (hey, há maluquinhos para tudo!), que estivessem a tentar glamorizar a sua vida. “My Friend Dahmer” baseia-se numa novela gráfica de John “Derf” Backderff que foi colega de turma de Dahmer e descreve o mais possível o comportamento do adolescente que se era perturbado, estava ainda longe do assassino que iria cometer assassinatos grotestos desde finais dos anos 70 e até ao início dos anos 90. “My Friend Dahmer” acompanha o quotidiano de um Dahmer (Ross Lynch) adolescente que não sabe qual é o seu lugar do mundo e tem um comportamento cada vez mais bizarro, à medida que a vida família espirala fora de controlo. A mãe (Anne Heche) parece padecer de graves problemas mentais que quando se manifestam tornam a vida de todos à sua volta um inferno e o pai (Dallas Roberts) é um homem apaziguador mas que em última instância não consegue lidar com os problemas em casa e se desconecta da família. A relação de Jeff com o irmão é inexistente e na escola também não é popular. A maior parte dos miúdos ou não sabem da existência dele ou consideram-no estranho. Dahmer é retratado desde o primeiro momento como um miúdo inadaptado mas que se podia confundir com os seus pares e até chega a ter algo parecido com amigos, mas a ideia de que alguns dos seus circuitos não estão bem ligados está sempre presente. O elenco é muito competente destacando-se Anne Heche e Dallas Roberts, no papel do casal conflituoso que criou Jeff e claro, Ross Lynch na pele do serial killer. A sua interpretação é tanto mais arrepiante por conseguir gerar empatia pelo seu Jeff vítima das circunstâncias e dos seus próprios instintos diametralmente opostos ao que é expectável de uma vida em sociedade. As poucas sequências em que existe um ensejo de conversa entre Jeff e o pai fica patente a dificuldade de expressão de ambos e a frustração que é manifestada de formas extremas: fuga de casa e a fuga para dentro dos pensamentos mais violentos. É impossível não questionar se havia alguém ou se algo que podia ter sido feito para evitar a sequência de acontecimentos que iria desembocar na morte de cerca de uma vintena de homens. “My Friend Dahmer” é um filme com final anunciado, mas o modo como é demonstrada a progressão do comportamento de Jeff, desde o desenvolvimento de fantasias violentas e a dissecação de cadáveres de animais até a um ponto de não retorno, é tratado de modo sério e não explorador. Mais não se podia pedir. Três estrelas e meia.

“Housewife” (2017)


Depois de “Baskin” (2015), se tornar um dos filmes mais badalados da edição de 2016 do Motelx de 2016, a antecipação de “Housewife” era grande. Bem, este filme não é nenhum “Baskin”. “Housewife” segue Holly (Clémentine Poidatz) uma mulher recatada e com um casamento que parece feliz aos olhos de todos, que não consegue ligar com um facto traumático da sua infância. Em criança assistiu ao assassinato do pai e da irmã mais velha, a qual foi afogada numa casa de banho, causando o medo de Holly de sanitas. Tirando este “pormenor”, ela e o marido são convidados a assistir a um seminário de “Umbrella of the Love and Mind”, uma organização que muitos acreditam ser um culto. A chegada àquela cidade de uma amiga da qual também já não sabia com esse grupo, impele Holly ir finalmente ao seminário onde um psíquico (David Sakurai), mergulha nos seus sonhos e a faz confrontar-se com o passado. “Housewife” é um sonho surreal que carrega o peso de diálogos sofríveis, sotaques estranhos, actores péssimos, cenas de sexo gratuitas e a sensação de que o filme repete temas e os aborda de modo previsível. “Housewife” quer chegar a um público internacional através do recurso à língua inglesa mas é muito confuso estar sempre a tentar situar as origens das personagens no espaço. Por outro lado, a cinematografia espectacular e os temas remetem para os filmes Giallo, que é de modo cristalino, ensaiada, superficial. Quando não estamos ocupados a tentar perceber quantas cenas é que já vimos antes ou a comentar que ninguém diria uma coisa daquelas, estamos simplesmente a apanhar uma seca descomunal. E com isto, faço notar que “Housewife” não tem uma narrativa convencional e tem apenas uma hora e vinte e dois minutos. Um confuso desperdício. Uma estrela e meia.

domingo, 8 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte quatro


Por esta altura já devem estar a pensar: “ok, isto é tudo muito giro, mas ela nunca mais se cala com isto do #motelx e o que eu queria mesmo era ler só sobre cinema do sudoeste asiático”. Têm toda a razão mas já está mesmo quase - a próxima será a última parte. Yey! E este continua a ser ainda o único de festival internacional de cinema de terror sedeado em Portugal por isso, deixem-me apreciar este momento que apenas sucede uns escassos dias do ano. O próximo filme que vou abordar, será “Red Eye” (2005), que não é o filme do Wes Craven.

Dia 4 (cont. daqui):

“Mayhem” (2017)

Estavamos no sábado, no rescaldo de uma sessão morna e era a primeira sessão que assistia no Tivoli. A sala estava cheia, tinha um esqueleto sentado numa das últimas filas e perguntava-me se o facto de estar ali tanta gente teria alguma coisa que ver com o facto de o pessoal ainda não ter recuperado da morte de “Glenn” (personagem de “The Walking Dead” interpretada por Steven Yeun). Na verdade, como boa fã de cinema de terror, não tinha sequer visto o trailer de “Mayhem” e a decisão de assistir àquele filme foi uma decisão de última hora. Que boa decisão se revelou. “Mayhem” é um thriller de acção cheio de adrenalina que tem por alvo aqueles que mais adoramos detestar: engravatados que estão por trás de cada decisão injusta que a lei não quer ou não pode penalizar. Steven Yen é Derek Cho um advogado desencantado após o encontro com a América corporativa. Aquele é um mundo dominado pelo capitalismo selvagem apenas se safam os mais os mais espertos, os mais rápidos e os que fazem jogo sujo. Ele ainda não se perdeu lado negro da barricada e tem conseguido passar despercebido entre mortos e feridos, tendo por custo muitas horas de trabalho a mais e tempo com a família perdido. Um dia apercebe-se de que alguém cometeu um erro colossal que poderá custar milhões aos cofres da sua empresa e que estão a preparar para o entregar como bode expiatório.
Entretanto, descobrem que o arranha-céus onde trabalham foi exposto a um vírus que faz com que o seu portador perca as inibições e haja sobre todos os impulsos, mesmo aqueles que podia entender como mais censuráveis, se essa parte do cérebro estivesse a funcionar de forma correta. Aliado a Melanie (Samara Weaving) que também é uma vítima da firma incorrem numa corrida contra o tempo até ao topo do edifício e da cadeia alimentar, enquanto este se encontra em quarentena, para alcançar os seus intentos, tentando sobreviver à escalada de violência provocada pelo vírus. Adrenalina é a palavra-chave de “Mayhem”. As personagens são apresentadas em todo o seu esplendor de violência implícita contida e numa fase posterior na sua maior bestialidade, com amplas oportunidades para apreciar momentos sanguinários ou infantilidade. Quem nunca quis dizer umas verdades ao seu colega do lado? Quem nunca quis partir a cara à besta que está sempre a roubar a comida no refeitório? E que tal passar o dia a jogar no computador ao invés de escrever aquele relatório tão chato? Ou então, dar azo ao desejo secreto pela boazona da secretária ao lado? “Mayhem” é sobre o que sucede quando caiem as máscaras e as pessoas são reais, nuns parcos 90 minutos mas que ainda assim conseguem demonstrar personagens tão ricas e díspares, num excelente trabalho de todo o elenco. Permite perceber se o fundo é de bondade ou se esconde algo mais perverso e sobre a ideia de injustiça multissectorial, comum aos países desenvolvidos do século XXI, que foi evidente em movimentos como o “Occupy Wall Street”. “Mayhem” é uma paródia de filmes como “The Big Short” (2015) ou “Margin Call” (2011), que se cruza com a recompensa de filmes como “The Raid: Redemption” (2011) ou “Dredd” (2012). Joe Lynch é sem dúvida um realizador a estar atento. Três estrelas.

“Cult of Chucky” (2017)

Há que ser realista. Quem é que pretende realmente ver a sequela n.º 7, n.º 9 ou sequer a partir de uma 5ª? Só os fãs hardcore de um Jason, um Freddy ou um Chucky é que permanecem. Foi por isso, que até o “Jigsaw” (2017) regressou. Que não restem dúvidas, “Cult of Chucky” é para os fãs. Nunca foi acerca de captar novas audiências. Quem o vê sabe ao que vai.
Este “Cult of Chucky” não pretende reinventar a lenda de Chucky nem traça o caminho meta até às últimas consequências, em que muitos filmes de terror se têm aventurado recentemente. Ao invés foca-se nas personagens que têm dado o mote ao longo dos anos, como um já crescido Andy Barclay (Alex Vincent), a criança que recebeu a bela prenda que é Chucky ou Nica (Fiona Dourif) que está confinada a uma cadeira de rodas num hospício. Na sequência da última iteração do personagem Nica foi acusada de cometer os homicídios perpetrados pelo boneco assassino e, convencida por um psiquiatra pouco escrupuloso de que tem problemas psicológicos que a levaram a cometer aqueles actos horrendos. O cenário apresenta uma oportunidade perfeita para ver Brad Dourif (a voz de Chucky há tantos anos), a trocar galhardetes com os pacientes do hospício (é caso para perguntar quem de entre todos é o mais louco) e com a filha Fiona. Mais importante ainda, um hospício que não fica próximo da civilização com pacientes a viver num regime de internamento, é o último sítio onde o boneco devia ser introduzido, sendo que os seus habitantes não terão para onde fugir ainda que tenham consciência do que se está a passar. “Cult of Chucky” está cheio do humor negro que caracteriza a série sobretudo do lado de Brad Dourif a verdadeira alma da série e de mortes explícitas que, pese embora nem sempre ultrapassarem a barreira da criatividade, constituem um presente para os fãs. Hoje em dia, com rivais mais recentes e assustadores como a boneca de “Annabelle: Creation” (2017) a simples ideia de que o Chucky é assustador é anedótica. Por isso, Don Mancini mentor do conceito e realizador desta sequela, agarrou nos melhores elementos do passado da série para a manter à tona e introduziu humor auto-consciente das suas próprias falhas e elementos da cultura pop atual, onde outras sagas implodiram pela repetição. Foram ainda eliminadas algumas gorduras como o excesso de efeitos gerados por computador, afinal, o primeiro boneco era um fantoche; a manutenção de Brad Dourif e a exploração da química deste com a filha Fiona; a personagem de Nica, muito forte num panorama de scream queens onde os clichés imperam; a revisitação de personagens de filmes anteriores e a confiança para explorar novos cenários. No final de tudo, sobra um filme divertido. Mais não se podia pedir de um filme sobre um boneco de brincar que ganha vida após um ritual de voodoo e pragueja como um marinheiro. Duas estrelas.

“Meatball Machine Kudoku” (2017)

Integrado na sessão dupla, em conjunto com “Cult of Chucky” não se esperava deste uma obra de arte. Antes houve um desfile de absurdo, num filme de Yoshiro Nishimura, responsável por momentos tão emblemáticos do cinema como “Tokyo Gore Police” (2008) ou o segmento “Z is for Zetsumetsu” de “ABC’s of Death” (2012) e, do qual, anos depois, estou ainda a recuperar. “Meatball Machine Koduke” é uma sequela de “Meatball Machine” de cuja descrição no imdb se podem ler coisas tão fantásticas como: “Japanese cyberpunk science fiction/horror”. Acrescentem já agora “exploitation” e comédia. Como ultrapassar isto? Nishimura sabe como.
“Kudoku” parece fazer parte de um concurso do qual não sabemos quem são os outros concorrentes, para saber quem consegue fazer mais impressionante e mais absurdo. Tentar explicar a sinopse é como tentar dar sentido a algo que não o tem mas pronto: Yuji (Yoji Tanaka) é um homem solitário e à beira da ruína financeira que é pisado por todos os que o rodeiam. Ele trabalha na área da cobrança de dívidas mas não tem muito jeito e acaba por ficar ele próprio a dever ao chefe, a mãe só lhe liga para lhe pedir dinheiro e entretanto, descobre que tem cancro terminal. Mas ninguém irá chorar por ele porque ele não é amado por ninguém. Num certo dia, uma garrafa gigante que segue pelo espaço em direcção à terra – e isto nem é o mais absurdo, aguentem –, liberta uns alienígenas que ao aterrar se apoderam do corpo das suas vítimas ao mesmo tempo que as tornam em máquinas de guerra semi-robóticas. Sem nada a perder Yuji é tomado por um dos monstros mas não se transforma na totalidade dado que tem células cancerígenas. Ele aproveita a humanidade retida para combater os alienígenas antes que eles se apoderem de Kaoru (Yuri Kijima), uma mulher por quem se apaixonou. Segue-se uma muito longa cena de perseguição com Kaoru cavalgando o monstro que a rapta com os seios de fora (eu sei), e longas lutas com uma quantidade de sangue muito superior àquela que um individuo consegue albergar e com armas que resultam de uma peculiar fusão com a carne humana. “Meatball Machine Kudoku” é uma orgia ridícula de nudez e carnificina histérica e, bem, os monstros são um espanto, mas, é só por isso que vale. E olhem que são 108 minutos disto! “Meatball Machine Kudoku” é uma obra extremamente polarizadora pelo que o mais certo é já terem feito a vossa escolha sobre se algum dia o irão visionar. Uma estrela e meia.

domingo, 1 de outubro de 2017

Notas de um Festival de Cinema de Terror” – Parte três


Estava a chegar ao terceiro dia de festival e ainda não tinha visto “aquele” filme que me enchesse as medidas na totalidade. “The Endless” era certamente interessante mas a meio de um festival é problemático pensar que se calhar já tinha visto o que este teria de melhor para apresentar. Infelizmente o terceiro dia teria de chegar e terminar até atingir o objectivo desejado.

Dia 3

“Lake Bodom” (2016)

Apresentado como o primeiro filme de terror finlandês em muito tempo – de facto o cinema finlandês não é muito profícuo no que ao género diz respeito –, “Lake Bodom” baseia-se num caso ocorrido nos anos 60, na Finlândia, no qual três adolescentes foram encontrados mortos e um quarto foi encontrado inconsciente, vítimas de esfaqueamento múltiplo e de espancamento, que não foi resolvido (a despeito de fortes suspeitas da polícia) até aos dias de hoje. O cenário de um lago isolado e a idade das vítimas reuniram as condições ideais para se implantar no imaginário colectivo finlandês. Como o realizador Taneli Mustonen viria a explicar na sessão de Q&A que se seguiu a esta exibição, é vulgar os pais advertirem a sua prole, quando esta começa a manifestar interesse em fazer campismo selvagem, em ter cuidado para não acabar como a juventude de Bodom. Além deste contexto misterioso, mesmo à medida de um filme “baseado em factos verídicos”, soma-se-lhe uma intriga contemporânea.

Ida (Nelly Hirst-Gee) é uma adolescente pacata que está a recuperar de um trauma recente. Sem o seu conhecimento alguém fotografou-a nua e distribuiu depois as fotos através das redes sociais pela escola. A vergonha perante os colegas e a família fizeram a já quieta adolescente isolar-se ainda mais no seu canto. Apenas a insistência de Nora (Mimosa Willamo), a única que se recusou a julgá-la pelo que sucedeu, a faz aceitar ir acampar durante um fim-de-semana para o Lago Bodom. A acompanhá-las estão Elias (Mikael Gabriel), um colega com ar de bad boy que deseja impressionar as duas raparigas e Atte (Santeri Helinheimo Mäntylä), mentor da ideia da viagem que é fascinado pelo célebre crime. “Lake Bodom” transmite uma aura de regresso às origens do slasher, ainda que o argumento parta em direcções inesperadas e a contabilização de mortos seja muito baixa. O quarteto principal parece corresponder a pessoas reais, com os dilemas e problemas típicos da idade e escapam a duas reproduções a que estamos demasiado habituados. Têm uma personalidade unidimensional e essa costuma condizer com uma atitude insuportável ou estão demasiado sarcásticos e dentro da piada para seu próprio bom. Infelizmente, com 85 minutos de duração, as motivações destes personagens estão mal cozinhadas. Nem a excelente cinematografia de “Lake Bodom” consegue salvar um slasher que quer ser inteligente mas não lhe deu espaço para isso. Duas estrelas.

Dia 04

“Bliss” (2017)


Sempre existiu uma tradição forte do festival em inserir realizadores consagrados e mesmo novos talentos do cinema asiático na programação. Gosto tanto do cinema indie de terror anglo-saxónico como o próximo fã do género mas existe qualquer coisa de profundamente fascinante em verificar como o mesmo é interpretado numa cultura diametralmente oposta. “Bliss” é uma proposta de 100 minutos oriunda das Filipinas, do experiente Jerrold Tarog. A película centra-se em Jane Ciego (Iza Calzado) uma actriz de grande sucesso que parece ter a vida perfeita. Os seus trabalhos têm grande sucesso, uma legião de fãs, uma casa de sonho, uma mãe que a apoia e um marido perfeito para a fotografia. Um dia, sofre um grave acidente durante a rodagem de “Bliss”, o seu mais recente filme que a confina a uma cadeira de rodas e a necessitar de reabilitação. Presa em casa com Lilibeth (Adrienne Vergara), uma enfermeira que não aparenta ter o superior interesse dela em mente, Jane sente mais do que nunca o peso da fama e da pressão que a própria família impõe sobre ela. Ela tornou-se actriz por imposição de uma mãe mais interessada em retirar dividendos da carreira da filha do que em assegurar a sua felicidade e o marido Carlo (TJ Trinidad) só lhe dá atenção quando se trata de lhe pedir dinheiro. Está também assustada com a carreira. Ela aceitou todo o tipo de trabalhos para alcançar a fama e a fortuna mas o acidente pode representar o final da sua carreira e com ela os sonhos de consagração da crítica. Além disso, apercebe-se que os dias parecem repetir-se, com a variante de todos à sua volta se tornarem cada vez mais cruéis ou distantes. Em simultâneo, ela começa a ter dificuldade em destrinçar a vida real com a dos seus personagens. Obstáculo que dificulta a sua luta para reconquistar a autonomia física e psicológica. “Bliss” é uma homenagem assumida a filmes como “Groundhog Day” (1993), “Misery” (1990) e “Perfect Blue” (1997), com os elementos de melodrama comuns às películas filipinas, dando origem, se não, a uma obra completamente original, pelo menos um híbrido inteligente de cada um destes elementos. “Bliss” apenas sofre por um look talvez demasiado televisivo e pelo exagero de actores como Shamaine Buencamino (Jillian, a mãe de Jane) e Audie Gemora (Lexter, realizador de “Bliss”). Por outro lado, é uma delícia observar como “Bliss” é tão meta, não só devido às referências às obras já citadas como da possibilidade de estarmos a assistir a um filme dentro de filme, estando actores e realizador dentro da “piada”, pelos comportamentos “cliché”, em cena como do facto de a própria Iza Calzado ter iniciado uma carreira bastante jovem, procurando agora, ela própria, consagração através de papéis mais sérios. Três estrelas.

“Boys in the Trees” (2016)

Da Austrália chega a segunda estória sobre as dores de crescimento adolescente deste festival, sita nos anos 90. Onde “Super Dark Times” apresentou um tom depressivo ainda que com requintes irónicos, “Boys in the Trees” é mais linear e apresenta uma perspectiva bem mais optimista. Em comum têm as consequências devastadoras de uma acção no primeiro e inacção no segundo. Corey (Toby Wallace) terminou o secundário e pensa no passo seguinte que pode até envolver uma mudança de país, enquanto fotógrafo profissional. Ele costuma andar com um conjunto de skaters, indistinguíveis entre si, à excepção do intempestivo Jango (Justin Holborow) que quer ser e manter-se o líder da matilha para todo o sempre, mesmo que os anos passem por ele. Corey deixou de falar com Jonah (Gulliver McGrath) há alguns anos, para andar com Jango & companhia – os miúdos fixes –, que tratam este adolescente mais maduro e sensível de forma cruel.
Numa noite de Halloween as diferentes atitudes face à vida são obrigadas a confrontar-se e é forçada uma reflexão sobre o certo e o errado, o passado e o futuro. “Boys in the Trees” faz tudo certo em termos técnicos. É um espanto visual. Tem provavelmente uma das melhores cinematografias que o Motelx de 2017 viu. O que se encontra dentro deste embrulho bonito é que é bem mais sofrível. Jonah pede a Corey para se juntar a ele, uma última vez, dívida que lhe é devida pelo comportamento dos anos recentes, num jogo onde realidade e fantasia se misturam. Quantas vezes não se viu já o mundo místico a tomar conta do real, em tempo de Halloween? Mais do que isso, é um argumento inconsistente que expõe as fraquezas de “Boys in the Trees” onde os diálogos ora gritam pretensiosismo ora demonstram desconhecimento de como os adolescentes comunicam. O próprio marketing transmite mensagens mistas sobre o foco do filme: ora tenta apelar à nostalgia dos anos 90, ora pretende cativar o público jovem adulto com a perspectiva de romance que esteve tão em voga no final da primeira década de 2000. “Boys in the Trees” sofre ainda do mal da sobre-exposição. Depois de esgotar todas as direcções possíveis, o argumento detém-se ainda a explicar o que sucedeu até àquele ponto, através do recurso a analepses. Por fim, “Boys in the Trees” está mascarado de fantasia dramática com tons de terror mas é só uma fantasia dramática. Ambiciona passar a mensagem de que tudo está bem quando acaba bem, de que todos os erros do passado serão perdoados e que a adolescência é apenas a parte mais difícil do crescimento. Trai talvez por isso a lição que pretendia demonstrar de início. As personagens podem aprender algo sobre si próprias, ter auto-consciência dos seus comportamentos mas não há qualquer certeza de que isso provoque uma mudança nos seus comportamentos futuros. São precisas quase duas horas para chegar a esta conclusão. Certo. Duas estrelas e meia.


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