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domingo, 6 de maio de 2018

"A Silent Voice" (Koe no Katachi, 2016)


“A Silent Voice” que também é conhecido internacionalmente como “Shape of Voice” – vi esta animação poucas semanas depois de o “The Shape of Water”, na MONSTRA e acreditem que a minha cabecinha teve de fazer um rewind para não confundir as coisas – foi um dos maiores êxitos de bilheteira no Japão em 2016, baseado, para não variar, numa manga japonesa. O sucesso do filme não será alheio a factores como um certo despudor para o visionamento do cinema de animação por públicos mais adultos e ainda ao tema tão pertinente no país como o “bullying”. Os casos de bullying são transversais à sociedade japonesa. A cultura do pensamento colectivo, do silêncio do desconforto individual produzem vítimas em idades tão jovens desde o jardim-de-infância à universidade, transpondo-se depois para o mercado de trabalho.

“A Silent Voice” tem um início deprimente. Shoya (Miyu Irino) faz os preparativos para a sua morte anunciada e resolvida no seu âmago. É um rapaz calado e anti-social que passa despercebido e também não pretende ser notar. Mais vale evitar conflitos. Não raras vezes, veremos Shoya a olhar para os pés, querendo evitar qualquer contacto visual e rodeado de pessoas com uma cruz sobre os seus semblantes. São as pessoas a ignorar, não conectar, a todo o custo evitar. O seu comportamento transporta-nos para a escola primária. Dir-se-ia que ele tinha sido alvo de bullying ao longo de toda a sua existência. Na verdade ele começou por ser um. Quando Shoko, uma nova aluna surda chegou à sua aula, o então inquieto, barulhento, sem noção e incapaz de transmitir os seus verdadeiros sentimentos Shoya faz dela o alvo principal das suas partidas. Essa história tem um fim quando Shoko acaba por ser transferida para outra escola por não aguentar mais os abusos. Censurado por professores e colegas, Shoya acaba por se tornar vítima do seu próprio veneno, retirando-se para o seu interior, onde tudo é mais suportável até se tornar um jovem adulto. No entanto, o seu caminho volta a cruzar-se com Shoko e a sua família, os velhos amigos que lhe dificultaram a vida e ainda outros que permitem a Shoya encontrar o verdadeiro valor na sua vida e se sempre haverá a possibilidade de expiação de pecados.

Esta animação tem menos de espectáculo que de introspecção. Não me entendam mal, que a animação é tão competente e belíssima quanto costuma ser regra no cinema japonês, a abordagem é que se foca mais na narrativa que na forma. “A Silent Voice” revela-se uma reflexão interessante sobre o bullying pois foca diversos pontos de vista, incluindo um central que não é tão habitual que é o de quem comete bullying, ainda que Shoya seja um bully arrependido. Entre as diversas questões que a animação levanta, estão, por exemplo: até quando se deve carregar o fardo da culpa por eventos cometidos há muitos e muitos anos. Shoya era um miúdo imaturo e parvo quando fez mal a outra criança e acabou por sofrer a vida toda por isso. Contudo, Shoya não era o único a fazê-lo e acabou por ser o único a ser castigado. Mesmo após diversas trocas de argumentos já em jovem adulto com os colegas, esses continuam a não querer aceitar que tiveram um papel activo no bullying de Shoko recriminando-a até pelo seu sofrimento e do de Shoya. Duas vezes vítima. Serão eles melhores que Shoya quando nunca assumiram as suas acções erradas e acabaram depois por fazer o mesmo a Shoya quando este foi “apanhado”? “A Silent Voice” é conducente a uma reflexão ainda mais pessoal do espectador, pela sua própria experiência enquanto vilão ou vítima em situações similares. Será Shoya uma figura trágica digna de empatia ou é ainda e sempre um monstro? Perdoar? Esquecer? Tudo isto é tão mais amplificado quão doce é a sua vítima Shoko. Apesar de tudo quanto lhe aconteceu nunca foi capaz de “lutar” contra Shoya por quem sente carinho.
Em comum entre todos os personagens está o profundo desejo de conexão, aquele que tão desesperadamente se procura durante toda a juventude e até eventualmente pela vida adulta fora. É ainda um retrato muito realista das desventuras da juventude pois a acção nos locais que se identificam com ela, na escola, em casa, na rua, no parque, na feira popular… É muito difícil não apreciar o mérito de reprodução daqueles momentos tão fulcrais na construção da personalidade, de “A Silent Voice” mesmo quando este se torna tão histriónico quanto a vida interior adolescente e até um poucochinho demais delicodoce. Três estrelas e meia.

Realização: Naoko Yamada
Argumento: Reiko Yoshida, Yoshitoki Oima (manga) e Kiyoshi Shigematsu
Miyu Irino voz de Shôya Ishida
Saori Hayami voz de Shoko Nishimiya
Aoi Yûki voz de Yuzuru Nishimiya
Kenshô Ono voz de Tomohiro Nagatsuka
Yûki Kaneko voz de Naoka Ueno
Yui Ishikawa voz de Miyoko Sahara
Megumi Han voz de Miki Kawai
Toshiyuki Toyonaga voz de Satoshi Mashiba
Mayu Matsuoka voz do jovem Shoya Ishida

Próximo filme: "Tracer" (Truy Sat, 2016) 

segunda-feira, 13 de junho de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – FIM


“When Marnie was There” ou como o estúdio Ghibli ter anunciado que esta seria a sua última longa de animação anulou o facto de esta ser uma obra inferior ao que os fãs do estúdio estão habituados. Sim, eu acabei de admitir que “Marnie” é uma obra menor do estúdio Ghibli. Deixem a informação assentar. Confesso-me culpada de suspeitar que o próprio estúdio sabia que esta longa deixava algo a desejar e que o anúncio do fim do Ghibli como o conhecemos terá sido avançado para precipitar bons resultados de bilheteira, bem como fazer desvanecer quaisquer dúvidas levantadas pelas primeiras críticas. Esta notícia não será inteiramente surpreendentemente se pensarmos que o realizador Hiromasa Yonebayashi é o realizador de uma das obras menos fortes do estúdio: “The Secret World of Arriety” (2014).


É certo que “When Marnie was There” foi vencedor do Grande Prémio MONSTRA e que foi nomeado para o Óscar de melhor filme animado na 88ª Edição do certame mas, se por esta altura ainda sentem vontade de discutir porque é que um filme nomeado para os Óscares é muito bom, não tenho tempo nem energia para dissertar as vossas fantasias. Mesmo na MONSTRA foi aparente que o filme não foi consensual, não tendo reunido os Prémios do Público (April and the Extraordinary World), Melhor Filme para a Infância e Juventude (“Phantom Boy”) ou o Prémio Especial do Júri (“Little from the Fish Shop”).

“When Marnie was There” é mais uma estória sobre as dores do crescimento mas sem a magia a que Ghibli já nos tinha habituado. Anna Sasaki (Sara Takatsuki) é uma pré-adolescente demasiado consciente de que é diferente dos seus pares. Ela tem olhos azuis, raros entre a população japonesa, que não consegue explicar pois nunca conheceu os pais biológicos e o casal adoptivo que a cria não se mostra receptivo a contar-lhe a sua história. Sentido perante a sua situação um desconforto latente cada vez mais intolerável Anna começa a sentir uma cisão entre ela e a mãe adoptiva Yoriko que apenas aumenta quando descobre que o casal recebe dinheiro para a criar. Jovem demais para compreender os contornos da situação sente que não é amada. Ela fora apenas um bebé estranho, vendido para que outros criassem. A saúde débil e a súbita revelação levam-na a ter um ataque de asma e a mãe, preocupada, decide enviá-la para o campo para recuperar. Lá depara-se com gentes acolhedoras e um cenário bucólico marcado por uma mansão gigante delapidada que exerce uma atracção estranha sobre ela. A curiosidade de Anna empurra-a para mansão onde conhece Marnie (Kasumi Arimura) uma jovem de aspecto estrangeiro e com a mesma idade que rapidamente se torna a sua melhor amiga e confidente.


Com pouco mais de 100 minutos “When Marnie was There” mais parecem duas horas de eventos mal distribuídos e pouco ou nada explicados. Se películas anteriores eram com mais clareza juvenis, desde a “The Tale of the Princess Kaguya” (2013) e “The Wind Rises” (2013) que o estúdio se tem orientado para faixas etárias mais maduras. “Marnie” não é excepção. A pequenada exposta a esta animação arrisca-se a apanhar um aborrecimento de morte, enquanto os adultos vão ser deixados a apanhar pedacinhos de pistas para compreender uma estória que ora não desenvolve ora avança a uma velocidade vertiginosa. Os avanços e recuos seriam desnecessários se não fosse perdida mais de uma hora em acontecimentos quase triviais. Também parece existir uma brincadeira com as memórias e percepções de Anna que não são concretizadas da melhor forma. Marnie apenas interage com Anna mas esta não se importa ou questiona os súbitos aparecimentos e desaparecimentos desta, tal é o frágil estado emocional. Anna só quer pertencer a algum lado e nenhum outro se sente tão segura como quando está com Marnie. No entanto, esta pode não se encontrar no mesmo plano que ela, tornando-se até perigoso para Anna quando esta descura a sua própria segurança para estar com a nova amiga. Mas até esta, vem Anna a descobrir tem uma vida trágica que a leva a reflectir não só sobre o que não possui como o que de facto tem. “When Marnie was there” afigura-se uma aposta arriscada mas acaba por gorar as expectativas iniciais trilhando caminhos familiares e inofensivos até. “Marnie” não é a película mais espectacular do estúdio em termos de desenho, ainda que seja bastante competente. O problema é que esta animação parece querer afirmar de forma convicta a tradição por oposição a demonstrar Ghibli podia e iria adaptar-se aos tempos de mudança. É portanto, sintoma e efeito. Três estrelas e meia.

Próximo Filme: "Kikujiro" (Kikujirô no natsu, 2013)

domingo, 8 de maio de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – Parte 2

"Kahlil Gibran's The Prophet" (2014)

Baseado na obra literária que lhe dá o título, "Kahlil Gibran's The Prophet" assemelha-se bastante à leitura de um livro. Com uma narrativa principal, intermediada em capítulos, cada um entregue a um estilo de animação próprio, à medida que o Poeta Mustafá (Liam Neeson) reflecte sobre temas como a liberdade, o amor, ou a morte - ele que foi preso, precisamente por pensar em voz alta e na sua condição de Homem livre. Os seus cárceres temem que as suas palavras contaminem o povo e o levem a questionar. E como bem está inscrito a sangue na História da Humanidade, o conhecimento leva o questionamento e este pode ser incómodo para os governantes. Estes temem pois uma sublevação e conduzem-no, através da cidade para o que será a morte do Homem e das ideias. Cabe pois, à pequena e travessa Almitra (Quvenzhané Wallis) que não profere palavras e apenas parece comunicar com uma gaivota, para desespero da mãe Kamila (Salma Hayek), lutar para salvar Mustafá de tal destino trágico.
Ondas de enlevo, tédio e indiferença sucedem-se à medida que surge uma nova interpretação para a animação e enredam-nos numa mescla em permanente metamorfose que não permite as palavras respirar e ser interiorizadas como talvez o próprio escritor pretendesse. Isto, a despeito de alguns momentos bastantes fortes em termos do talento patente na animação. A animação prolonga-se por vezes em demasia e até à divagação, como alunos numa palestra interminável. Ao tentar produzir animação à altura das palavras do poeta, acaba por se dar a primazia à imagem em detrimento do argumento, sendo que este podia e devia ter sido alvo de maior cuidado de edição. Disto resulta um filme longo e incongruente, como se as peças tivessem sido criadas, cada qual no seu tempo e espaço, sem uma linha orientadora comum. Faz recordar o pecado original de muitas antologias que se dizem possuir um tema em comum e depois surgem desconexas. As peças elevam-se sobre o todo. Potencial desperdiçado. Três estrelas.

PS: Confesso que não me foi alheio o facto de “The Prophet” ter sido exibido dobrado em língua portuguesa. Não desfazendo, da minha língua materna, não há como não apreciar as dobragens originais sobretudo quando estas incluem o Liam Neeson.

“Avril et le monde truqué” (2015)


Um universo distópico de inspiração steampunk faz uma aparição em “Avril et le monde truqué”. Separada dos pais em criança, Avril (Marion Cotillard), torna-se uma cientista à semelhança destes. Acompanhada por Darwin Phillipe Katerine), o seu fiel gato falante, tenta desenvolver uma fórmula que torne os seres humanos imunes a quaisquer doenças, num período em que os cientistas têm vindo a desaparecer de forma misteriosa. Nesta Paris alternativa, existe não uma, mas duas torres Eiffel e grande parte da cidade movimenta-se através do teleférico, embalada pelo fumo da poluição problema tão premente nos dias de hoje na realidade como neste universo ficcional. Avril é uma heroína essencialmente inocente, mas optimista e determinada. As suas acções não são motivadas ou redefinidas por um qualquer motivo romântico. Apesar de uma óbvia e forte ligação à família ela tem menos de calma e recatada do que de determinada e destemida. Uma heroína do século XXI inserida num contexto industrial alternativo, algures pelos anos 40 e cujas aventuras fariam um Júlio Verne orgulhoso. “Avril et le monde truqué” terá muitas referências que vão desde a animação mais tradicional à banda-sonora mas tem uma identidade muito própria. A tal não é alheio o trabalho de Jacques Tardi, autor mais conhecido pelo trabalho em banda-desenhada, nomeadamente, “Les Aventures extraordinaires d'Adèle Blanc-Sec” e que passou não há muito tempo pelas salas de cinema, em versão live action. A estória é tão interessante na sua incursão pelos caminhos da ficção científica não excessivamente complicada como pelos personagens, com a devida nota de apreço ao gato Darwin. Três estrelas e meia.


quarta-feira, 13 de abril de 2016

“MONSTRA – A colheita de 2016” – Parte 1


Comecemos pelo momento de honestidade refrescante. Este ano não foi o mais profícuo em número de visionamentos da MONSTRA. Da parte competitiva calhou-me em sorte “The Boy and the Beast” (2015), “Kahlil Gibran’s The Prophet” (2014), “April and the Extraordinary World” (2014), “When Marnie was There” (2015), tendo-me sobrado “apenas” tempo para o Grande, Icónico, Inesquecível, Filme de Animação de uma Vida, “Spirited Away” (2001). Nota-se muito que o “Spirited Away” é um dos meus filmes de animação preferidos?! Por outro lado, os filmes que *vi alternaram entre o razoável e o muito bom, o que torna o balanço da edição de 2016 da MONSTRA, muito positivo.

“The Boy and the Beast” (2015)

Se poucos questionavam que Mamoru Hosoda era um dos melhores do cinema de animação japonês da atualidade, “The Boy and Beast” pouco fez para desmistificar essa ideia. Ren/Kyuta (Aoi Miyazaki/Shota Sometani) é um jovem revoltado com a perda da mãe e ausência do pai, que decide fugir de casa, de uma família estranha que mal conhece e entra num mundo novo sobrenatural. Porventura por ser tão peculiar quanto o mundo de deuses animais onde penetrou, acaba por aceitá-los com naturalidade, como se esse tivesse o seu lar desde sempre. Por sorte do Destino, Ren torna-se o filho adoptivo e discípulo de Kumatetsu (Koji Yakusho), uma besta que bem domina as Artes Marciais mas não o feitio difícil que o impede de concretizar o seu potencial máximo como Deus daquele lugar. Este par improvável acaba por crescer conjuntamente e melhorar com o tempo e Ren, agora Kyuta, quase esquece o mundo real, até que percebe que tem assuntos inacabados por resolver no outro lado. Esta obra não se desvia muito da obra anterior do realizador. Hosoda continua a preferir temas em torno das dores do crescimento e dos afectos, dos obstáculos a ultrapassar para realizar o potencial como ser humano e dos erros que se cometem no processo, como já abordado em “The Girl who Leapt Through Time” (2006) ou “Wolf Children” (2012). Tantos temas que às vezes nos perdemos no turbilhão de estórias que acompanham a narrativa principal. Se estas pouco fazem para a enriquecer, constituem mais momentos para a animação irrepreensível brilhar. A batalha final em particular fará as delícias dos que ainda ficam estrelinhas nos olhos, como se de crianças se tratassem. Uma vitória nos dias que correm, em que se questiona a capacidade das novas longas de animação de fazer sorrir ou profundamente comover. “The Boy and the Beast” é similar às obras anteriores de Hosoda, acessível a mais jovens mas sem alienar adultos, somente em dose superior. Podia por isso ser facilmente dividido em episódios e transposto para o pequeno ecrã. E se peca por excesso de ambição, seria um princípio de MONSTRA em grande.




*PS: Vi o “When Marnie Was There”, extra-festival.

Próximo: MONSTRA - A colheita de 2016 - Parte 2

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Março é Mês de Monstra


Diz que a Monstra - Festival de Animação de Lisboa está aí a rebentar e eu sou uma pessoa para não me deixar ficar (por casa). De 03 a 13 de Março, Lisboa (e não só) vão estar mais animados.  Em 2016 estamos em 32 salas, 61 escolas, 12 universidades. Vamos levar a MONSTRA e a MONSTRINHA a 10 cidades de Portugal e a mais duas dezenas nos cinco continentes. De Timor a Brasília, de Arras a Buenos Aires, de Berlim a São Paulo, de Maputo a Viena. Realizámos a quinta edição da MONSTRA em França. De 300 espectadores em 2002, ultrapassámos os 5.500 em 2016. São muitos números estão a ver? E este ano, a Monstra além da sempre interessante competição de longas-metragens, explora os lados dos inesperados balcãs. Mas independentemente disso, um dos meus filmes preferidos de sempre, quiçá, o mais-melhor-preferido "Spirited Away" (A Viagem de Chihiro) vai ser exibido na Secção "Históricos". Ouvem isto? É o som da criancinha que mora dentro de vós a rogar para que visitem a Monstra. Encontramo-nos .

domingo, 29 de março de 2015

“MONSTRA a todo o vapor! – Parte 3”


Depois uma segunda parte de festival morna dediquei-me por completo às longas-metragens. Não cheguei a visionar na grande sala “Only Yesterday”, “The Tale of the Princess Kaguya” ou “The Wind Rises” mas extra-festival. Eles valem cada elogio que lhes é feito e uma ou outra crítica também. “The Wind Rises”, lamento, mas não é a obra-prima de Miyazaki e “Only Yesterday” não é um filme para crianças. “The Tale of The Princess Kaguya” mereceu o Grande Prémio do Festival e uma digna última obra do estúdio Ghibli, aparte “Marnie was There” (2014) o qual também aguardo com a ansiedade típica de um fã do trabalho dos mestres.

A 20 de março rumei ao Cinema City Alvalade para mais uma sessão nocturna. Como decisão de último momento, fui assistir a “Giovanni’s Island” sem ter lido mais do que na diagonal a sinopse ou ver o trailer. Não se iria revelar um erro. Um casal idoso num navio em alto mar, cujo marido perscruta com nostalgia a pequena ilha que se aproxima. Trocam dois dedos de conversa e apercebemo-nos da dor na inflexão de voz e nos olhos tristes do homem. Era uma dessas estórias. Voltamos através do tempo e dois irmãos, Junpei (Kota Yokoyama) e Kanta (Junya Taniai) vivem no mundo de fantasia das crianças. Eles são Giovanni e Campanella, os heróis do livro que levam para todo o livro. Seriam os melhores tempos das suas vidas. Em plena II Guerra Mundial, as forças russas invadem a ilha e, como povo derrotado, tudo o que tomavam por garantido é-lhes retirado. Soberania, casa, as suas vidas até. As crianças são apanhadas nos problemas dos adultos mas são elas quem melhor lhes parecem resistir. Na escola, há meninos russos, loiros, altos e que falam uma língua estranha. Eles conseguem o improvável, afeiçoam-se uns aos outros. No entanto, apesar de disparado o último tiro, a paz encontra-se ainda longínqua.

“Giovanni’s Island” é mais uma prova da sensibilidade da animação japonesa para retratar o horror da guerra, constituindo “Grave of the Fireflies” de Isao Takahata o seu expoente máximo. Ambos retratam momentos obscuros da estória japonesa e sobretudo o horror infligido às crianças. Nenhum dos realizadores se escusa a não quebrar o tabu do sofrimento da pequenada. É seguro afirmar que “Giovanni’s Island”, estória fictícia com bases assentes na realidade foi sem dúvida um dos momentos de superioridade narrativa do festival. Quatro estrelas.



Para o último dia de festival ficou a minha última longa-metragem “Jack & the Cuckoo Clock Heart”. No dia mais gélido do ano nasceu em Edimburgo um bebé com um coração gelado, para o salvar Madeleine, uma bruxa parteira conecta o seu coração a um relógio de cuco para o manter vivo. Ela cria Jack como se de um filho se tratasse. Durante alguns anos não há problemas, desde que o petiz respeite três simples regras: não tocar nos ponteiros do relógio, abster-se de emoções fortes e, acima de tudo, não se apaixonar. Um dia e, passados tantos anos, um Jack já adolescente consegue convencer a mãe adoptiva a deixá-lo abandonar o lar protector e visitar a hostil cidade. Confirmam-se os piores receios de Madeleine. Jack conhece a jovem cigana Acácia e é amor à primeira vista. O seu coração entra em desconcerto. Conseguirá ele dominar a mecânica do seu frágil coração para viver e sobreviver ao amor? “Jack & the Cuckoo Clock Heart” é um tema poderoso e, porventura, demasiado adulto para o público juvenil que a ele assistiu. É que este filme é um drama e o final que Mathias Malzieu concebeu não será feliz. “Jack & the Cuckoo Clock Heart” é um derivado do subgénero steampunk e também a sua estória vai buscar elementos da herança cinematográfica universal, incluindo Méliès e a sua “A Trip to the Moon”. No entanto, os seus curtos 94 minutos parecem muito longos, para a perseguição pela Europa de uma amada com problemas de visão. Estes momentos estendem-se com a ajuda de números musicais proporcionados pela banda Dionysos do próprio Malzieu que é inclusivamente referenciada durante o filme. Fiquei na dúvida se a música era um complemento da imagem ou se, pelo contrário, a imagem foi inserida para constituir um videoclip alongado de um álbum da banda de Malzieu.
No campo da imagem nada a apontar. Os personagens assemelham-se a verdadeiros bonecos de criança com expressões humanas o que para alguns é capaz de ser mais arrepiante do que cativante. Infelizmente, a maior crítica a apontar é externa ao filme. Entre legendas em português e inglês houve cenas sem qualquer tradução e ainda momentos de inexactidão. A tradução não correspondia às falas dos personagens. Isto pesou na avaliação do filme pois que, se os próprios adultos não compreendiam na totalidade o que se estava a passar na estória não podem com certeza esperar que fosse a muita criançada presente a tirar sentido de falas em línguas estrangeiras. Três estrelas e meia.
PS: Para o ano há mais.

domingo, 22 de março de 2015

MONSTRA a todo o vapor! - Parte 2


Gosto de pensar que a minha versão da “MONSTRA” foi parca em quantidade mas rica em termos de qualidade. De uma sexta-feira 13 de documentário, saltei para uma segunda-feira de “Pos-eso”, longa-metragem em stop-motion diretamente inspirada de um “The exorcist” e outros inúmeros filmes indissociáveis da evolução da história de cinema de terror (e não só) sem perder um travo caliente. Desde “Evil Dead” a “A trip to the Moon” de Méliès, passando por “The Omen”, nada escapa a Sam, e realizador e escritor com um sentido de humor caustico e, para mal dos pecados católicos, herege. A melhor bailarina de Flamenco do mundo, Trini (Anabel Alonso) tão fogosa na paixão quanto na dança, tem um casamento relâmpago com o melhor toureiro à face da terra. Uma relação que faz correr tinta pelas revistas cor-de-rosa espanholas que auguram o melhor para Damian (Santiago Segura), o filho de ambos. Após a morte do marido num acidente terrível, qual cruel partida do destino Trini entra numa espiral de depressão que a impede de reconhecer que há algo muito errado com o filho. Cabe pois ao padre Lenin (Josema Yuste) que enfrenta uma grave crise de fé salvar Damian do demo. Podia pôr-me a palrar sobre a falta de originalidade e apego demasiado aos filmes que o inspiraram. No entanto, a animação estava fantástica e nenhuma piada caiu no vazio. Não se ouviram grilos. Quando muito, houve espectadores mais atentos que solicitaram a outros que se calassem. As piadas auto-referênciais tendem a ter esse efeito. Sala cheia, ambiente excelente mas não foi filme para Grande Prémio.



De regresso ao Cinema Ideal e, em dia de “The Tale of The Princess Kaguya” no São Jorge, eis que a Sessão “Terror Anim – Amaldiçoados” esteve quase deserta. Com menos de metade da sala preenchida aparentava estarem presentes apenas os fãs do cinema de terror, ainda que em doses residuais. Sessenta e um minutos de sessão não se assemelha a muito, pois não? “Amaldiçoados” é um festival de curtas-metragens de terror que se realiza anualmente no Brasil. A MONSTRA teve a feliz sorte de apresentar 12 curtas entre prémios do júri e do público do festival da edição de 2014. Os resultados foram… mistos. Entre as melhores propostas as curtíssimas “Super Venus”, “The Zombie Survival Guide” que mais parecem uma crítica aos cânones de beleza do séc. XXI e um panfleto animado sobre como sobreviver ao impensável, respectivamente e “The Taxidermist” em que o homem que dava vida àquilo que morreu encontra ele próprio o Fado. “Unhudo” é um caso estranho, baseado numa lenda que terá merecido o voto mais pela proximidade do que pela estória ou animação e quanto menos se disser sobre ele melhor. Uma curta visualmente impressionante mas que me deixou ambivalente foi “The Obvious Child”. É uma curta espantosa, perturbadora, aquilo de que são feitos os pesadelos e difícil de digerir. Então que sentimento é este que me impede de avançar com algo mais do que um “não sei se gostei”? De entre as diversas sessões foi a que me deixou mais insatisfeita, pela diferença óbvia na qualidade entre as propostas, pela baixa qualidade de algumas, porque queria mais… Uma sessão que não ficará para a história. Já nas longas-metragens seguintes, conseguiria encontrar mais motivos para ficar contente. Mas para isso, terão de esperar.

PS: Entretanto fiquem com os vencedores.


sábado, 14 de março de 2015

MONSTRA a todo o vapor!


O certame arrancou dia 12 e, lá estava o Not a Film Critic, na sessão de abertura lotada da Sala Manoel de Oliveira no São Jorge, para fazer a sua cobertura completa e seríssima – not really. Houve mais do mesmo: “este ano vai ser mais melhor bom que o anterior”, momentos musicais de altíssima qualidade (fiquei fã da Mariana Abrunheiro e da Jacqueline Mercado) e algumas personalidades foram convidadas a ir ao palco, incluindo EGEACs, ICAs e realizadores estrangeiros, por entre muitos abraços e beijinhos e o Fernando Galrito (Director Artístico do Festival) falou, falou um pouco mais, falou bastante e por fim, lá se calou, deixando a sensação de que 10 dias são uma gota de água num oceano de cinema animado.

Entre as tantas, demasiadas novidades, destaca-se o separador giríssimo “Rayuela – Jogo da Macaca” criado por Nico Guedes e pela Miss Suzie, dotada de uma brutal energia positiva, que contagiou sala inteira com o som dos seus passinhos rápidos e alegria nervosa. Made in Portugal, pois com certeza. Seguiram-se propostas da América Latina como um “La Gran Carrera” (1935), “Quinoscopio” (1987), “Hasta los Huesos” (2001) e “Llluvia en los Ojos” (2014), pois que este ano, o festival de cinema de animação de Lisboa homenageia a América Latina. Foi uma verdadeira viagem no tempo e pelas diferentes técnicas de animação, que fizeram recordar alguns “Grandes” como o Quino, mais conhecido pela eterna chica-esperta Mafalda; rir de “caixão à cova” ou provocar chuva nos olhos… A retrospectiva dedicada ao Japão quase passaria despercebida, não estivessem uns certos Isao Takahata e Hayao Miyazaki na programação. O único outsider é Mizuho Nishikubo com o seu “Giovanni’s Island (2014), na Competição Oficial de longas-metragens. As propostas remanescentes destes autores são: “The Wind Rises” (2013), “Pom Poko” (1994), “Only Yesterday” (1991), “My Neighours the Yamadas” (1999) e “The Tale of the Princess Kaguya” (2014) e que me levam ao documentário “The Kingdom of Madness and Dream” (2013).

Exibido no Cinema Ideal, na minha estreia nesta sala íntima (é mais bonito do que chamar-lhe pequena), e com lotação quase cheia, tinha as expectativas sem dúvida, por demais, elevadas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Eu MONSTRO, Tu MONSTRAS, Nós MONSTRAMOS


A MONSTRA – Festival de Cinema de Animação de Lisboa regressa em 2015, de 12 a 22 de março, para celebrar os seus 15 anos. Nesta edição, o festival irá prestar homenagem ao cinema de animação da América Latina, com uma grande retrospetiva. Ao todo serão exibidos 75 filmes, 6 longas-metragens e 5 sessões de curtas-metragens destes países.

Para comemorar os seus 15 anos, a MONSTRA vai lançar durante o festival um dvd que compila 15 filmes de animação para os mais novos. Ainda no âmbito destas celebrações, João Garção Borges, realizador do extinto programa da RTP2, Onda Curta, irá programar uma sessão dedicada aos melhores filmes apresentados na MONSTRA e neste programa televisivo. O programa de documentários da Monstra, Dokanim, irá apresentar filmes do Festival DokLeipzig que refletem os 15 anos da Monstra. Ainda para celebrar estes 15 anos, haverá uma sessão dos melhoresvideoclips feitos em cinema de animação e outra de cinema de animação experimental. Já na FNAC Chiado e Fábrica Braço de Prata, serão exibidos os 15 cartazes da Monstra, desde o nascimento do festival, em 2000. [Comunicado de imprensa]

Leram tudo até aqui? Lindos meninos. Se bem que esta pessoa não tem por hábito fazer copy & paste de comunicados de imprensa com mais de uma página. Ler a meios que cansa e, por muito interessante que o programa seja (e é!), mais vale ir directa ao assunto.

Em tempos que já lá vão (fins de novembro do ano passado e até meados de janeiro de 2015), fiz uma maratona de cinema de animação. Estava a meios que imbuída ainda de um espírito, quiçá natalício, que me incitou a ver Hayao Miyazaki, Satoshi Kon, Mamoru Hosoda e Isao Takahata de enfiada. Juro que não me estou a armar numa daquelas pessoazinhas arrogantes que se põe a citar nomes para se mostrarem imensamente cultas, até porque alguns, tive mesmo de os ir pesquisar, que tenho memória de peixe e esqueço os nomes dos realizadores mas quero, não… Insisto, que vão pesquisar as obras destes senhores e as visionem. Divago. Digamos que se quisessem uma lista de essenciais de animação japonesa, eu, que posso ou nada sei a respeito das idiossincrasias do género, recomendaria fortemente estes quatro senhores, sendo que, voilá, a MONSTRA, dedica a dois deles, precisamente uma secção. Ou melhor, ao cinema de animação japonês, homenageando Takahata e exibindo ainda a última longa-metragem concretizada de Miyazaki “Wind Rises”. Do primeiro serão exibidos: “The Tales of the Princess Kaguya” – baseado na fantástica lenda do Cortador de Bambu que ela própria já merece a vossa curiosidade –, “Pom Poko”, Only Yesterday” e “My Neighbors the Yamadas”. E qual cereja no topo do bolo figurativo, o documentário “The Kingdom of Dreams and Madness” que foca o trabalho destes dois senhores. E porque me alongo sugiro mesmo a consulta do website da MONSTRA claro!

Conclusão: esta pessoa vai tentar estar lá. E você?

PS: A não ser que sejam visitantes de outro país. Então que sejam muito bem-vindos a este blogue e… Roam-se de inveja.

PS 2: Diz que também uma secção de animação de terror. Calo-me já, já.

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