domingo, 29 de julho de 2012

"Old Road Mistery" (Misteri Jalan Lama, 2011)


Já alguma vez tiveram a sensação de que o universo se uniu para vos pregar uma grande partida? Ou que estão perante uma anedota que mais ninguém parece entender? “Old Road Mistery” é o exemplo perfeito. Estarei cega? Estarei demasiado exigente? Terei perdido o sentido de humor? Gosto de me considerar tolerante mas há alturas em que e difícil separar o “crítico”, seja lá o que isso for, do fã de cinema e,“Diabos me Levem”, se consigo evitar uma certa subjectividade sobre um filme que é uma tão fraca amostra de cinema.

Indra (Hans Isaac) e Ilya (Qué Haidar) são dois irmãos muito diferentes. Enquanto Indra é o típico bad boy, piloto de corridas ilegais e jogador compulsivo que não se pode apanhar com dinheiro no bolso, Ilya, o irmão mais novo, é o filho pródigo destinado a grandes feitos se ao menos seguir as normas e os valores incutidos. A morte inesperada do seu pai Isakandar (Ahmad Tarmimi Serigar) leva-os numa viagem por uma estrada velha até à aldeia natal, cujo percurso irá testar os laços que unem os dois irmãos e os conduzirá a um destino além da sua imaginação.

O argumento de “Old Road Mistery” também tem um percurso misterioso alternando com uma perigosa falta de à-vontade entre os géneros: terror, melodrama, aventura e, por fim, fantástico. O mistério da estrada velha tenta ser tudo, acabando por redundar em nada. Com um orçamento extremamente limitado, o realizador e argumentista Afdlin Shauki aposta na megalomania, da qual resultam péssimos valores de produção como atestam o péssimo casting para o elenco, um argumento atroz, com falas proferidas com convicção nula ou, em alternativa, exagerada, imagem com grão, cinematografia desenquadrada e desinteressada da película, cenários, adereços e guarda-roupa miseráveis. O grau de tolerância desce consideravelmente quando são tantos os aspectos negativos que se torna quase impossível vislumbrar algum pormenor com qualidade em “Old Road Mistery”.

A dupla principal impressiona pela completa ausência de química, mais semelhante à dinâmica entre cães e gatos, é tão-somente incompatível. O que poderia salvar, em parte, o facto dos dois irmãos não aparentarem partilhar um único gene, seriam personagens, cada uma a seu modo, simpática. Mas a audiência não seria brindada com tal sorte, já que Indra é um marido e pai ausente que vive de expedientes egoísta e oblívio a tudo o que não lhe proporcione lucro rápido e fácil. E Ilya consegue ser ainda pior visto que representa o menino do papá mimado e medroso que, para quem possui uma inteligência superior tem atitudes de um asno quanto aos factos da vida. Ele é protagonista das duas cenas que provocam mais risos involuntários. Numa, qual jovem virginal, ele, não a rapariga, é praticamente forçado pela beldade a deitar-se com ela. Repito: uma beldade obriga um jovem a deitar-se com ela. Pelas mais variadas caretas do moço diria que ele tem ali algumas questões por resultar no que respeita à sua sexualidade… Na segunda cena, Ilya corre lacrimoso e, reminiscente de uma donzela, através da floresta, na altura em que mais se necessita dele. É caso para pensar que ter a vida nas mãos dele é o mesmo que ter uma sentença de morte a pairar sobre a cabeça. Outra actuação particularmente má e, isto parte-me o coração, sabendo como foi adorável em “Senjakala”, vem da infeliz Liyana Jasmay, num papel secundaríssimo, o de Awek, namorada de um gangster. A inserção desta personagem terá tido que ver com a notoriedade da actriz já que ela também é uma modelo e apresentadora muito popular na Malásia. Este papel, uma tentativa de inserir comicidade no filme trágico por Shauki que, além de realizador e argumentista também é um comediante e, esperamos que seja melhor neste último ofício do que é no mundo do cinema, coloca Liyana na pele de uma mulher fatal. A julgar pelas poses, tiques e outros trejeitos da actriz o conceito de femme fatale, para aqueles lados é muito diferente do ocidental. Cenas penosas de assistir quando se sabe que por trás daquela caricatura está uma jovem que até sabe qualquer coisa sobre representação. O único esboço de sorriso derivado da sua aparição em ecrã deve-se à insinuação de que ela tem seios de plástico. E, convenhamos que a questão do aumento dos seios já foi ultrapassada. Quem é que ainda faz piadas com mamas falsas? Aparentemente Shauki e a co-argumentista e esposa, Christina Orow. Mas o que mais me fascina, de um modo não positivo, acreditem, são as odes ao filme como esta ou esta. Pode uma pessoa estar tão equivocada assim?
Shauki é daqueles realizadores que levam sempre uma cana de pesca atrás, a ver o que apanham. Infelizmente para a sétima arte, o argumento não tem rumo, anda à deriva. “Old Road Mistery” exige o grau de reflexão de um zombie. Mas se quiserem arriscar, força. Depois não digam que foi por falta de aviso…

Realização: Afdlin Shauki
Argumento: Afdlin Shauki e Christina Orow
Que Haidar como Ilya
Hans Isaac como Indra
Ahmad Tarmimi Serigar como Iskandar
Vanida Imran como Rainha Devata
Namran como Botak
Lyiana Jasmay como Awek Botak

Próximo Filme: "Ong  Bak - The Thai Warrior", (Ong bak, 2003)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

MOTELx 2012 - O cinema de terror volta a invadir Lisboa


De 12 a 16 de Setembro o cinema São Jorge volta a receber o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, o MOTELx. Esta é ma excelente ocasião para conhecer as novas tendências e revisitar clássicos. Do gore estilizado nipónico ao slasher e torture porn, passando pelo mestre do "Giallo", Dario Argento há de tudo um pouco.

Quanto à selecção de filmes asiáticos digamos que, com "Laddaland" (2011) de Sophon Sukdapisit, cujos créditos incluem "Shutter", "Alone", "Coming Soon", ou a saga "Phobia", todos eles já (bem)apreciados pelo Not a Film Critic e, uma retrospectiva no, adequadamente intitulado "Japão Retro", do realizador de "Jigoku", o Nobuo Nakagawa eu sei onde vou querer estar em Setembro. E tu?

Programação completa aqui

domingo, 22 de julho de 2012

Pecadilhos das Horas Vagas #7 "Operação Swordfish"


Sabem aquele filme que sempre que dá na TV não conseguem desligar-se e vêem até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas do qual vocês gostam secretamente? Lembram-se daquele velho filme que está gravado em VHS e não conseguem deitar fora? Ou que já viram tanto que a fita até já está meio estragada? Escrevam um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da vossa preferência: o vosso guilty pleasure, sem medos ou censura, um “Pecadilho das Horas Vagas. O confessionário é vosso.

Por: Sam do Keyzer Soze's Place

Dos títulos cujos percursos ficaram imediatamente afectados pelos atentados do 11 de Setembro de 2001, OPERAÇÃO SWORDFISH foi o que mais "danos colaterais" registou. A seu favor, tinha produção de Joel Silver, "mago" das super-produções de Hollywood, um elenco de alto calibre (John Travolta, Hugh Jackman, Don Cheadle e, sobretudo, Halle Berry a ocupar a vaga de femme fatale com pouca ou nenhuma roupa), diálogos que podiam muito bem ter sido dactilografados por Quentin Tarantino e sequências de acção quase "orgiásticas" nos seus índices de devastação urbana.

Com todos estes ingredientes, o que poderia falhar? Obviamente, o contexto político-temporal da sua estreia não foi o mais favorável à sugestão de planos ultra-secretos para derrubar estados que acolhem terroristas como refugiados políticos ou visões de prédios a explodir com contornos demasiado semelhantes aos observados nas Torres Gémeas em 2001 — como resultado, OPERAÇÃO SWORDFISH "desapareceu" rapidamente de circulação.

Deste modo, privou-se uma franja considerável de espectadores de um dos actioners que mais empreendeu na difícil tarefa de aliar um argumento coerente com a pura adrenalina ilógica das suas sequências de acção.

Mas o rotundo falhanço desse esforço consciente de seriedade, no seio de uma produção desta natureza, preenche o filme de uma constante atmosfera de exagero e peculiar “supra-realismo” aliada a uma fabulosa auto-paródia ao próprio cinema em que OPERAÇÃO SWORDFISH se insere.

Os contornos deste curioso monológo da personagem de John Travolta, logo nos minutos iniciais e a queixar-se da ausência de realismo que caracteriza a maioria do mainstream norte-americano, só são devidamente apreendidos no final do filme — pois assiste-se, ipsis verbis durante o seu visionamento, a tudo aquilo que aqui é criticado:


OPERAÇÃO SWORDFISH torna-se ainda mais “delicioso” pela análise individual das sequências do que através da soma das suas partes.

Há uma década, sem YouTube nem massificação de torrents e afins, um momento como este apresentava-se genuinamente emocionante:


E depois há a averiguação de competências informáticas com sexo oral à mistura, reviravoltas atrás de reviravoltas atrás de reviravoltas que submete qualquer espectador a rever o filme, teorias de conspiração capazes de deixar Oliver Stone verde de raiva e um terceiro acto que oblitera, por completo, a definição de realismo que podemos encontrar no dicionário.

«Realism; not a pervasive element in today's modern American cinematic vision», como afirma Gabriel (Travolta) no segmento introdutório do filme acima mencionado. Realmente, ele não exubera também OPERAÇÃO SWORDFISH, que caiu — de forma extremamente célere — em esquecimento. Contudo, alimento a secreta teoria de que fez “escola” no cinema de acção moderno: há muito do filme de Dominic Sena nos “preceitos” dos recentes Transformers, Vingadores ou Batalhas Navais.

Só não restou a ironia e a auto-paródia de OPERAÇÃO SWORDFISH, o guilty pleasure da minha vida e com o qual aceitei o convite, do Not a Film Critic, para esta rubrica.

PS: Mais um contributo muito interessante, Sam. Muito Obrigada. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

"The Eye" (Gin Gwai, 2002)


Os olhos devem ser um dos órgãos mais importantes, subestimados e maltratados em todo o corpo humano. É que nem temos noção. Passamos horas a forçá-los à frente de monitores, insistimos em mantê-los abertos muito depois do cérebro gritar de cansaço e, nem sequer, os utilizamos como deve ser. Não fossem os vossos olhos e, não podiam ler estas linhas sobre um dos grandes filmes de terror do século XXI. E, se os olhos são tão pouco considerados pelos poucos dotados com uma visão perfeita, imaginem como será uma lembrança preciosa por quem um dia a possuiu. O caso aplica-se como uma luva a Mun (Angelica Lee), uma rapariga de 24 anos que após duas décadas de escuridão, recupera a visão num novo procedimento cirurgico. O processo de recuperação é assustador. Não só devido à ansiedade de conhecer um mundo além dos outros quatros sentidos mas também pelo facto de ser como uma criança novamente. Tem de aprender a redescobrir o mundo e a relacionar-se com ele e distinguir o real do ilusório. Entre os vários desafios estão a distrinça das superfícies e o reconhecimento da própria imagem. E quão solitária deve ser esta jornada quando Mun tem uma família que não se pode identificar com a sua situação e a orquestra de invisuais na qual tocava, já não a considera como uma deles.
Mun, por entre a profusão de imagens que inundam incessantemente o seu espectro de visão, não se apercebe de imediato que vê algo mais, algo que os restantes seres vivos não vêem. E, não sabe, por isso, reconhecê-lo. Enquanto a maioria dos que a rodeiam atribui a nova atitude de introversão de Mun ao processo de transição que está a atravessar, apenas o seu psicólogo, Dr. Wah (Lawrence Chou) a parece compreender. Perante imagens de natureza tão perturbadora ela isola-se, retira-se do mundo social. Existe uma resposta racional para o que lhe está a suceder ou o fenómeno pertence mesmo ao campo do sobrenatural? Ao contrário de outros grandes clássicos do cinema asiático como “Ringu”, “Ju-on” ou “A Tale of Two Sisters”, “The Eye”, baseia-se num problema fisico, algo que tocará mais perto do coração e da racionalidade do Homem. Qualquer um se pode identificar com o receio de perder a visão, ou de ver algo que não quer, o tal “monstro debaixo da cama”.Por outro lado, há sempre o medo mais primitivo da provocação de danos sobre o globo ocular. “Un chien Andalou”, o nome, se calhar, não vos dirá nada mas se referir a cena da senhora cujo globo é perfurado por uma faca, a referência talvez não seja tão estranha...
De resto a narrativa não será totalmente original, sendo desaproveitadas algumas oportunidades como a possibilidade da loucura de Mun. Nunca surge a mais remota hipótese de que está tudo na sua cabeça, a causa é exterior. Também Angelica Lee, que após este filme se viria a tornar mulher de um dos realizadores, o Oxide Pang Chun, é a maior força do filme. É o seu desempenho que carrega todo o filme sendo que com um retrato menos realista de Lee, “The Eye”, não teria metade do impacto. A maior fraqueza encontra-se no Dr. Wah, um Lawrence Chou demasiado imberbe para interpretar um psicólogo experiente e conceitado. Tanto ele como Angelica viriam a fazer carreira com os irmãos Pang, acertando algumas vezes (“Re-cycle”) e falhando redondamente noutras ocasiões (“Sleepwalker 3D”). Outra questão que poderá afugentar os espectadores de “The Eye” nada tem que ver com o filme mas com o remake americano com Jessica Alba. É certo que ela não é o pior do filme mas ajuda muito. Essa versão, além de já não possuir o factor novidade, não é tão aterradora. Para não alienar o publico e chegar a um publico mais jovem, suavizaram de tal modo certas cenas icónicas que ver Alba a estremecer de medo não assusta, incomoda. Mais do que isso, “The Eye” é um caso de estudo de imitação e replicação de cenas que, hoje em dia se tornaram banais mas, não neste filme, que dez anos volvidos envelheceu bem. Atentem bem a “The Eye”, e observem bem o material de que são feitos os grandes clássicos de terror. Quatro estrelas.

Realização: Oxide Pang Chun e Danny Pang
Argumento: Yuet-Jan Hui, Oxide Pang Chun e Danny Pang
Angelica Lee como Wong Kar Mun
Lawrence Chou como Dr. Wah
Yut Lai So como Yingying
Edmund Chen como Dr. Lo
Candy Lo como Yee

Próximo Filme: "Misteri Jalan Lama", 2011

domingo, 15 de julho de 2012

"Merantau Warrior" (Merantau, 2009)


Os ritos de passagem da adolescência à condição de adulto são qualquer coisa de extraordinário que só as culturas que os possuem podem compreender na totalidade. Nos países ocidentais, o mais parecido com “tornar-se homem” é capaz de ser a perda de virgindade. Entre as mulheres é mais ou menos consensual a identificação do surgimento da menstruação com uma superior maturidade emocional. De facto, é curioso verificar noutras culturas a existência de práticas temerárias como saltar sobre bois desencabrestados ou fazer tatuagens dolorosas em todo o corpo, com a afirmação da masculinidade. Na ilha de Sumatra, vinga, entre o povo Minangkabau a tradição do “Merantau”, que leva a que os rapazes abandonem o conforto do lar, à procura de experiência e sucesso que possam depois trazer para a comunidade. A ideia não é uma diáspora sem retorno, mas a importação de conhecimento que contribua para o crescimento e bem-estar da população Minangkabau.
No meio rural, entre os criadores de plantações de tomate, Wulan (Christine Hakim)  despede-se do filho mais novo, Yuda (Iko Uwais). Ela recorda-se bem das adversidades que o filho mais velho enfrentou e pede a Yuda que não siga a tradição. Ela acredita que o filho não precisa de cumprir o “Merantau” para demonstrar o seu real valor mas ele está decidido. Ele quer seguir as passadas do irmão que tanto admira e passar pelo mesmo que os seus antepassados antes de si. É um dever.O teste de Yuda inicia-se logo que chega a Jakarta. O sítio onde iria pernoitar foi demolido. Sem um tecto sobre a sua cabeça, com pouco dinheiro no bolso e pouco mais que a comida que a mãe embalou, a aventura ainda mal começou. Yuda é incapaz de permanecer impassível perante a injustiça então, quando vê Astri (Sisca Jessica), ser atacada por bandidos ele intervém. Sem o saber, intromete-se no caminho de uma rede tráfico de escravas sexuais e os criminosos não vêm com bons olhos interferências no seu ganha-pão.
Segue-se uma luta implacável entre um gangue e o jovem lutador de silat (artes marciais) pela rapariga. O gangue quer fazer de Yuda um exemplo e ele, só pretende resgatar Astri das garras dos criminosos. A narrativa é bastante standard: rapaz conhece rapariga; rapariga está envolvida com uns vilões e, qual cavaleiro andante, ele vai resgatá-la e vivem felizes para sempre. Mas “Merantau” não é uma estória com um final feliz. Certos pormenores revelam que por trás de uma estória simples se encontra uma boa direção de actores e coreografia de acção.
Christine Hakim, a veterana e galardoada actriz que interpreta Wulan, traz ao seu curto papel uma doçura maternal, estimável em qualquer parte do mundo. O Eric de Yayan Ruhian funciona como uma espécie de anjo negro. É ele, quem na viagem para a selva urbana de Jakarta, desfaz as ilusões de Yuda e o prepara para o duro choque com a realidade. É muito difícil vingar na capital, ainda mais sendo um jovem provinciano que desconhece a vida da cidade. Já a espevitada Astri é a vítima perfeita para o tipo de crime que é retratado. Abandonada pelos pais e com o irmão pequeno para cuidar, dança num clube duvidoso para se poderem alimentar. Sem alguém para a proteger, pouco faltará para a forçarem a prostituir-se e o irmão Adit (Yusuf Alia), acabar nas ruas a mendigar. Os bandidos dividem-se em dois tipos: os estrangeiros que pretendem “exportar” mulheres do arquipélago e os indonésios que as vendem. Destes, quais os piores?
Na verdade, Yuda é o único ser humano, em todo o filme, que se opõe a tal prática. Os que só vêm cifrões à frente não se compadecem do sofrimento alheio. Os restantes ignoram o que se está a passar ou fecham os olhos ao que está à vista… Qualquer dos três: o “louco” Yuda, Astri e Adit, podiam desaparecer que ninguém iria à sua procura. Resta desvendar se “Merantau Warrior” é um conto caucionário sobre a presença dos estrangeiros no país, se uma crítica à ausência de valores da selva urbana. É um jovem provinciano, ainda por corromper, que se insurge contra o crime e tenta salvar inocentes. É nesta reflexão que se encontra o assombro de uma estória aparentemente banal e na força explosiva do silat, a sua espectacularidade. As cenas são dotadas de um realismo impressionantes cuja edição é depois limada na colaboração seguinte de Uwais e Evans, “The Raid – Redemption”. Se intencional ou não, atentem, em particular, ao confronto final, que parece uma homenagem a “Who Am I” (1998), no qual, Jackie Chan defronta dois lutadores, no topo de um arranha-céus. A acção e o desenvolvimento da narrativa acabam por resultar como as mais-valias de “Merantau Warrior”, uma lufada de ar fresco que deverá agradar a fãs do género e a iniciados. Quatro estrelas.

Realização:  Gareth Evans
Argumento:  Gareth Evans
Iko Uwais como Yuda
Sisca Jessica como Astri
Christine Hakim como Wulan
Mads Koudal como Ratger
Yusuf Alia como Adit
Alex Abbad como Johni
Yayan Ruhian como Eric
Laurent Buson como Luc

Próximo Filme: "The Eye", (Gin Gwai, 2002)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

"Lady Vengeance" (Chinjeolhan geumjassi, 2005)

Persistindo na “tradição” de abordar filmes de sagas por nenhuma ordem em particular, um destes dias voltei-me para “Lady Vengeance”, o terceiro filme da trilogia da Vingança de Chan-wook Park. Este filme não é tão bem-amado quanto o brutal “Oldboy” (2003) e possivelmente, mais introspectivo e contemplativo que “Sympathy for Mr. Vengeance”. Mas, é interessante verificar a piscadela e, crítica, não tão implícita quanto isso, à religião assim como, o filme mais feminino de Park. Geum-ja Lee (Yeong-ae Lee) é uma naïve religiosa que acaba por se meter dar com a pessoa errada e, acaba na prisão por um crime que não cometeu. A prisão não é lugar para alguém como ela. A prisão não é lugar para um anjo. Mas ela tem uma boa motivação. Deixou uma filha lá fora, cujo crescimento não teve oportunidade de acompanhar devido a um psicopata. E ela tem tempo. Para aprender, para se preparar, para estudar, planear e construir um plano de vingança. Para fazer justiça. E assim, o anjo inocente se torna num anjo vingador. Ela acaba por dar uma estalada na cara, literal, da religião e empenha todos os seus esforços num novo fanatismo, o de procura da filha que nunca conheceu. O filme é todo um percurso de Geum-ja, desde que sai da prisão, decidida e vingativa, disposta a recorrer à ajuda dos ex-companheiros de prisão até à redenção. Min-sik Choi tem um excelente regresso, depois de interpretar o personagem principal em “Oldboy”. Desta feita encarna um personagem tão terrível quanto a sua capacidade de representar lhe permite… o que é bastante. O seu senhor Baek é temível e, no entanto, Cha-wook Park deixa bem patente o sentido de humor negro: o seu assassino de criancinhas é um professor pré-escolar.
Mas deixai as senhoras brilhar. E de facto é Yeong-ae Lee, uma actriz infelizmente afastada da sétima arte quem mais brilha. É por senhoras como esta que são criados os prémios de representação. A sua Geum-ja é naive, inocente, angelical, fria, calculista, maternal e todo o espectro de emoções que Chan-wook conseguiu empregar no filme. Algumas então passar-nos-ão despercebidas. “Lady Vengeance” é assim tão complexa. As cenas de Geum-ja na prisão são deliciosas. A audiência fica a conhecer as suas companheiras de cela, quase tão bem quanto ela, mediante pequenas cenas contadas em estilo flashback. E permite um investimento tal, que é possível odiar ou sentir piedade pelas prisioneiras, tanto quanto se deseja que Geum-ja consiga a sua vingança. Park dá também um docinho àqueles que sempre demonstraram desejo de confrontar os seus demónios e vingar aqueles que destruíram a sua vida. Imaginem. Todo o filme é pontuado por uma fotografia e um visual geral de simbolismo. Desde o início altamente focado no sol, nos brilhos e espaços abertos ao final negro e de espaços fechados. É flagrante o contraste entre uma Geum-ja de olhos vivos e esperançosos na sua cela alva sobrepovoada e uma Geum-ja sentada à beira da cama do seu quarto escuro e pequeno, como se de uma cela se tratasse. Geum-ja era mais livre na prisão do que é na cidade. Lá tinha tempo para sonhar a sua vingança. No seu quarto citadino ela não se consegue libertar das amarras do desejo obsessivo de vingança. É só na sua descoberta como mãe e no conforto da sua filha que encontrará a verdadeira salvação. Será?
Depois de um inicio estranho, o ritmo arrasta-se, prolongando-se por mais tempo do que deveria mas em termos globais funciona. Pelo meio, há cenas de extrema violência e desconcerto, incluindo assassínio e abuso psicológico e sexual. Cenas tão ou mais impressionantes que filmes que apostam no gore. O horror está na mente e Chan-wook Park é aqui, mais cerebral que visceral. Depois de dois filmes antecedentes muito bons, está claramente habilitado a seguir um caminho diferente com “Lady Vengeance”. Por ela sim, queremos sentir simpatia mas, realmente, depois de tanto sofrimento, de que serve a vingança? A vingança que vale por ela mesma é oca. No final, a vida continua tão miserável quanto antes. De nada serve sem redenção. Quatro estrelas.

Realização: Chan-wook Park
Argumento: Chan-wook Park
Yeong-ae Lee como Geum-ja Lee
Min-sik Choi como Senhor Baek
Yea-young Kwon como Jenny

Próximo filme: "Merantau Warrior" (Merantau, 2009)

domingo, 8 de julho de 2012

"The Raid - Redemption" (Serbuan Maut), 2011

Querem conhecer a estrela do cinema de acção da próxima década? Não precisam procurar mais longe que na Indonésia. O realizador galês Gareth Evans apresenta Iko Uwais. Giro? Um rapaz normal diria. Excelente actor? Isso ainda está por se ver. Intenso Carisma? Nem por isso. Mas ai se ele sabe lutar… Ele domina o contacto físico como poucos. Bem, o Yayan Ruhian, ou “Mad Dog” em “The Raid - Redemption” é melhor lutador e mais espectacular só que a natureza não foi simpática para com o senhor. Ele não é abonado em termos de beleza e de altura. Mas também não é o tipo de pessoa que gostaria que lesse este último comentário. Digamos que as suas capacidades atléticas impõem respeito e este não é um individuo que se deseje ver chateado… “The Raid – Redemption”, é o epitome máximo da expressão: “location, location, location”! Recordam-se da saga “Diehard”, na qual um Bruce Willis, ainda jovem, domina cenários desde um arranha-céus a um aeroporto? Lembram-se do negrume que escondia uma entidade do outro mundo, na nave Nostromo em Alien? Ou talvez estejam familiarizados com a gruta, imprópria para quem tem medo do escurso em “The Descent”. Gareth Evans fez o trabalho de casa e demonstra uma das invasões mais brutais e, porventura, mais espectaculares na história do cinema. Notem que esta é a segunda afirmação ousada que faço na sequência de um só filme! Interessados?
Vinte polícias de elite dão chamados a cumprir missão complicada: capturar e prender um senhor do crime da sua fortaleza criminosa, um edifício de 30 andares, a partir do qual opera as suas operações criminosas e que se encontra guardado por centenas de bandidos dispostos a lutar pelo seu quinhão. A eficácia da missão policial depende da velocidade e descrição mas com olhos vigilantes em cada esquina, tal revela-se impossível. Os polícias vêem-se apanhados numa emboscada e, alerta cliché: o caçador torna-se a presa. Para escapar com vida terão de deixar atrás de si um rasto de corpos. Daí resultam quase 100 minutos de acção ininterrupta, nua e crua. A arte marcial silat, na sua essência, um mecanismo de auto-defesa, é brutal e há que reconhecer o trabalho irrepreensível dos duplos. Por vezes, torna-se difícil não imaginar que eles se terão magoado a sério. Ser atingido por cadeiras, arrastado com um trapo e projectado contra móveis e tijolos não é para qualquer um. E quando não há materiais de arremesso, os personagens são amplamente armados com pistolas, espingardas, metralhadoras e catanas! “The Raid – Redemption”, assegura uma fonte inesgotável de cenas de ameaça à integridade física dos personagens, aos fãs inveterados de artes marciais! E, apesar, da eventual comicidade que o facto de se levar uma dezena de murros e pontapés em zonas sensíveis do corpo e, mesmo assim, os personagens se manterem de pé, podia ter, “The Raid – Redemption”, consegue escapar ao absurdo. Este festim de pancada, não deixa de ter meia de dúzia de papéis bem definidos, por entre as hordas de criminosos com uma motivação que não ultrapassa o desejo de assassinar os invasores. Existe Tama (Ray Sahetapy), o senhor do crime que não admite uma “infestação” na sua casa; Andi (Donny Alamsyah), o braço-direito pragmático, “Mad Dog”(Yayan Ruhian), o psicopata que encontra a maior diversão no confronto corpo-a-corpo, Jaka (Joe Taslim), o jovem comandante que nem por isso deixa de ostentar medo nos olhos; Wahyu (Pierre Gruno), um polícia com uma agenda obscura, o jovem herói numa primeira missão que não pode deixar de regressar a casa para a mulher grávida…
Há uma sensação de perigo iminente enquanto os sobreviventes da guerra que se abateu sobre eles vagueiam pelos corredores. E não é menos claustrofóbico que um filme de terror assumido pois não se sabe o que se esconde por trás de cada porta, ou no contorno de cada esquina.
Ah, já mencionei que a banda-sonora de “The Raid – Redemption” inclui o Mike Shinoda dos Linkin Park? As batidas do seu sintetizador estão perfeitamente ajustadas à acção implacável. Pois, o que resulta menos bem na película? Se a acção está próxima da perfeição houve aspectos mais básicos que escaparam à mesma análise clínica da coreografia. Por exemplo, os polícias parecem bonecos de teste. Para uma equipa de elite, seria de pensar que exercessem maior resistência. Além disso, quem é que, sabendo que há atiradores furtivos se vai colocar à frente de uma janela? Sabendo por fim, das verdadeiras intenções perversas de algumas personagens, quem é que, mesmo assim, coloca a sua confiança e, vida nas suas mãos? São pormenores como este que fazem de “The Raid – Redemption”, apenas um filme muito bom. Mas agora que já detectámos os erros há espaço de manobra para melhorar na sequela. Quatro estrelas.

Realização:  Gareth Evans
Argumento:  Gareth Evans
Iko Uwais como Rama
Joe Taslim como Jaka
Donny Alamsyah  como Andi
Yayan Ruhian como Mad Dog
Ray Sahetapy como Tama
Tegar Satrya como Bowo

Próximo Filme: "Lady Vengeance" (Chinjeolhan geumjassi, 2005)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Cinema nacional tem um novo espaço

Sendo a presença online obrigatória nos tempos que correm, foi criado um site para motivar as produtoras, sejam grandes ou pequenas, a agir com rapidez e eficácia. A partir de hoje podem registar endereços nos subdomínios de ofilme.pt para todas as produções nacionais de longa-metragem. Para as curtas há um site próprio no endereço acurta.pt.


As páginas têm um formulário onde podem colocar o título do vosso filme, o endereço que querem (desde que corresponda ao título e este não esteja já tomado), assim como para a página que deverá apontar.
Pode-se criar um site oficial, um blogue, uma página de facebook ou uma página dedicada ao filme no site da própria produtora.


Então, de que estão à espera?

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Artes Marciais - O Género Menor



O que torna um filme bom? Regra geral, corresponde ao triângulo: Realizador, actores, história. Quando um desses elementos falha, não há muito mais a que nos possamos agarrar. Ok, pode ter uma banda-sonora daquelas, ou ser um estrondo em termos visuais mas não é isso que vai fazer dele um bom filme. No máximo, um filme de culto. Já o filme de artes marciais, um género dentro do género da acção não precisa ter grande qualidade. Pelo menos dentro da técnica cinematográfica. Só tem de se exceder na técnica percepcionada das cenas de luta. As narrativas redundam à volta do mesmo, geralmente homens adultos, numa senda de vingança que seguem de escaramuças em escaramuça, num grau crescendo até ao confronto final com o principal opositor. À mera menção do género, nomes como Bruce Lee, Jackie Chan ou Jet Li, (para citar apenas os mais conhecidos), vêm à mente. Outros quedaram-se pelos anos 80 e lá ficaram. Só o afecto residual por alguns desses senhores justifica obras como “The Expendables”, uma tentativa patética de uns quantos velhotes com idade para ficar em casa a contar os milhões ou a criar os netos vá, de espremer mais qualquer coisa das bilheteiras, através do aproveitamento de putos que nunca viram os filmes deles.
Iko Uwais
Não me entendam mal, nos anos 80, tal encontro seria o sonho de qualquer fã de acção. Mas à época, o excesso de ofertas de trabalho e o comportamento de “divas”, ditou que eles não partilhassem o ecrã no seu auge atlético. Na verdade, desde Bruce Lee e o seu Jeet Kune Du, que não se vê no ecrã cinema de artes marciais tão visceral. Tudo o resto é artifício, espetáculo. Luzes, câmara, acção. Até Jackie Chan e Jet Li, grandes artistas, no cinema como na mestria do físico, cederam às exigências do cinema de ficção. Jackie Chan sobressaiu com o seu carisma e humor naturais que, se não retiram necessariamente força às suas acrobacias, pelo menos fazem parecer que tal perícia, é mais fácil de dominar do que na realidade. Devido ao seu tão grande sentido de humor e agora, meia-idade, (eventualmente iria chegar, ou isso ou o grande acidente que o iria deixar paralisado de vez), nunca saberemos quão especial é a sua técnica, afinal. O Jet Li, veloz e furioso, foi rapidamente mastigado e deitado fora pela máquina de Hollywood. E, na verdade, é preferível que assim seja. Os argumentos made in USA nunca parecem capturar uma filosofia integrada que abarca aspectos entre os quais o wushu (arte marcial no sentido mais lato), sendo que quaisquer divagações existenciais, para um público-pipoca acabam por roçar o ridículo. A alternativa são as personagens unidimensionais e a “pancada de criar bicho”. Pois que Li volte então a oriente e por lá fique. Parece que só no cinema do este/sudeste asiático sabem realmente como eles são bons actores/lutadores. E nem me façam começar com o Vincent Zhao ou o Donnie Yen… E dentro do wushu, reina o kung fu, um lobby perpetuado (não que me queixe), pelo prolífico cinema de Hong Kong. Com o advento dos arames, das cenas excessivamente coreografadas e de truques inúmeros como o recurso às máquinas para disfarçar o que poucos artistas podem fazer sem se magoar, as artes marciais foram sendo progressivamente estilizadas e perderam, literalmente, impacto. Algumas demonstrações tornaram-se até graciosas, vide por exemplo, a melhor exportação do subgénero wuxia, “O Tigre e o Dragão”. Estes filmes de época são belos para a vista e as cenas de luta, quando praticadas por artistas com conhecimentos mínimos de wushu, são magníficas.
Johnny Tri Nguyen
Mas falta-lhes a espontaneidade e a agressão, falta a realidade na ficção. Curioso não é? Que a ânsia de escapismo seja grande mas, até aí, no mundo dos sonhos, se pretenda algo que nos puxe de volta para a terra, um ponto de identificação. O novo milénio trouxe um retorno às raízes, não sei se devido a uma percepção de antiguidade da espécie humana, associado a uma eventual crise de valores, a “menopausa da terra”, houve a necessidade de reciclar e reviver velhos temas, transformá-los em produtos de consumo para as novas gerações. Isto implica uma exploração até à exaustão de uns temas e um olhar fresco, sobre outros. Os filmes wuxia, por exemplo, voltaram a estar em voga, o que não sucedia desde os anos 80. E tem existido uma aposta nos novos talentos na prática de artes marciais, em países como a Tailândia e, imagine-se só, Vietname e Indonésia. Há uns quinze anos, quem alguma vez teria ouvido falar de um Tony Jaa, um Iko Uwais ou um Johnny Tri Nguyen. Quem teria algum dia ouvido falar de Muay Thai, Silat ou Vovinam? Há quinze anos, quem diria que filmes realizados nestes países, com produções e actores locais seriam exportados a nível mundial? Para não variar, a resposta reside a oriente, quais descobrimentos, com o ocidente a ter oportunidade de buscar conhecimento, inspiração e, (o tempo o dirá), o que exportar. E muitas destas artes até já existiam. Apenas, qual truque de ilusionismo, se desviava o olhar da audiência para onde todas as coisas eram “belas”. E belas são. Mas já não basta, queremos retornar ao local onde as coisas são o que parecem e a acção é crua, física, de contacto. Onde vibramos nos assentos, a respiração fica acelerada e damos pancadas inconscientes na almofada ou no parceiro do lado. Onde o cinema de artes marciais se torna, de súbito, emocionante outra vez e não o género menor que nos querem, por força suave, fazer crer.
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