quinta-feira, 18 de junho de 2020

“Ramen Shop” (Lamen teh, 2018)


Cidade de Takasaki. Um restaurante familiar de ramen. Masato (Takumi Saito) lamenta-se por o pai distante Kazuo (Tsuyoshi Ihara), dedicar-se mais à comida que a ele. Quem lhe dera ser uma taça de ramen. Antes de termos compreendido a complexidade da relação entre pai e filho, Kazuo é encontrado morto. Masato aproveita para abrir uma velha mala de viagem que desbrava caminho ao redescobrir do passado: fotografias da infância e um velho diário da sua mãe singapurense escrito em Mandarim. A correspondência com Miki (Seiko Matsuda), uma blogger de comida japonesa sediada na cidade-estado, precipita o resto. Em menos de nada, Masato está no país que o viu nascer, mas que ficou no passado, com a morte da sua mãe. Lá, descobre um tio com um amor pela comida tão profundo quanto ele e a dor de uma desavença antiga com uma avó que não conhecia.

“Ramen Shop” é uma carta de amor à família e à multiculturalidade. Acompanhamos Masato, numa senda de descoberta de si próprio e dos seus ascendentes, que trilha os caminhos que eles percorreram e experimenta as receitas que ele, como chef, desconhece, apesar da sua dupla etnicidade. Nuns breves 90 minutos aprendemos receitas da comida japonesa e de Singapura, e ainda um pouco da história da cidade-estado, incluindo o doloroso passado de ocupação japonesa. É um mix de “Who do you think who you are?” com um qualquer programa genérico de comida local, em que pessoas e locais se confundem com as receitas que nos apresentam, de modo inofensivo. Mais depressa um programa de comida de um food channel que um programa de conversa desgarrada de um Anthony Bourdain (RIP) e, admita-se, muito menos interessante. As iguarias deliciosas preparadas por Masato e companhia são merecedoras da hashtag #foodporn num qualquer instagram e a passagem pelas paisagens naturais, cidades e monumentos – por vezes senti-me dentro de um documentário –, no Japão e em Singapura são interessantes e mais cativantes que o drama familiar no coração de “Ramen Shop”, mas ilustram bem o fervilhão de ideias, cores e sabores que constituem a identidade do jovem chef.

O título original “Lamen Teh”, que se perde na tradução, é precisamente a fusão do ramen, um prato japonês de origem chinesa, com o prato de Singapura “Bak kut teh” com o qual Masato fica obcecado. De alguma forma, o recriar perfeito deste prato transporta Masato para momentos mais felizes, tempos em que cozinhava com a mãe e o seu pai tinha ainda a capacidade de se conectar com outros seres humanos.
Quis o destino que num destes dias, em que o movimento “Black Lives Matter” faz soar um grito que é ouvido em quase todo o mundo com efeitos que só veremos daqui a uns meses, quiçá anos, – não tenho a ilusão de pensar que 500 anos de opressão possam ser resolvidos num momento de claridade –, visse um filme que celebra as diferenças. “Ramen Shop” é triste mas ótimista, um feel good movie, se quiserem. Pretende deixar aquele sentimento quentinho e felpudo nos corações de quem o vê, designadamente, de apreciar o que temos e a nossa família como se os problemas familiares pudessem ser resolvidos no tempo de preparação de uma receita tradicional. Os diálogos e os flashbacks, que nem sempre são óbvios, inclinam-se de modo vertiginoso para o território da novela mas salvam-se pela característica de quase-documentário que a película tem. A cada momento que vamos apontar uma crítica… “olha aquela paisagem bonita!”, “Aquele ramen está-me a abrir o apetite!”. Truques de prestigidação preparados pela mão hábil do realizador Eric Khoo, natural de Singapura e que sabe, portanto, onde e quando desviar o olhar dos aspectos menos bem conseguidos de “Ramen Shop”. Até ia dizer que não é memorável mas, raios, se não me apetece agora comer um ramen! Duas estrelas e meia.

A Films4You anunciou a estreia de “Ramen Shop” nos cinemas nacionais a 25 de junho. Aproveitem para desconfinar a vista e, se der, por que não, o palato.

Realização: Eric Khoo
Argumento: Fong Cheng Tan e Kim Hoh Wong
Takumi Saito como Masato
Jeanette Aw como Avó
Mark Lee como Wee
Beatrice Chien como Mei Lian
Tsuyoshi Ihara como Kazuo
Tetsuya Bessho como Akio
Seiko Matsuda como Miki

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