domingo, 1 de janeiro de 2012

"13 Assassins" (Jûsan-nin no shikaku, 2010)

13 assassinos, um destino. Estamos nos anos 40 do século XIX, perto do final da era Tokugawa. Há muito que passou o auge do samurai. Desde o século XVII que não existe um verdadeiro motivo para lutar. Os samurais que persistem vão-se tornando cortesões, administradores, peças decorativas. O poder do bushidô (código de honra) desvanece-se. Mas ainda subsistem alguns homens que acreditam na luta por um ideal e buscam uma morte digna, no calor do combate. Possuidor de um sadismo sem limites, o Lord Naritsugu (Gorô Inagaki) mata e viola a seu belo prazer. Como filho do anterior Shogun e irmão do Shogun actual é intocável. E em breve ascenderá a um cargo de maior poder. Quando um samurai comete o seppuku (suicídio com a própria espada) em protesto contra as ofensas graves do Lord Naritsugu, um conselheiro governamental decide fazer o impensável e conspira para o mandar matar. O primeiro a ser recrutado é Shinzaemon Shimada (Kôji Yakusho), um samurai venerável e experiente, que protegido apenas pela promessa de silêncio começa a arrolar mais homens para executar a missão. É reunido um total de 13 homens, que incluem o próprio sobrinho de Shinzaemon, Shinroukuro (Takayuki Yamada) e o montanhês Koyata (Yûsuke Iseya) com a força de mil homens. O que se segue é uma batalha épica, na qual os números são claramente desequilibrados: 13 homens contra duas centenas de homens armados!
Diz que “13 Assassinos” é baseado num acontecimento verídico mas não encontrei provas que sustentem essa tese. Não que isso importe na verdade. “13 Assassinos” é uma obra conduzida pelo enfant terrible do cinema japonês, o mestre do choque que é Takashi Miike. Quem conhece a marca deste senhor irá encontrá-lo um pouco contido. O quê? Um banho de sangue, numa luta suicida de 13 contra 200 é estar a ser contido? Ah pois. Miike é demasiado cool, para fazer o que quer que seja que esperamos dele. Aliás, ele é tão cool que é capaz de lançar o filme da vida dele só para calar os críticos que o acusam de mais não fazer do que recorrer ao choque para cativar audiências. Embora, a espaços, Miike nos ofereça um docinho. Quando chegarem à cena da pobre camponesa perceberão a que me refiro… “13 Assassinos” é o remake de uma obra de 1963, “Jusan-nin no Shikaku”, de Eiichi Kudo que encontra raízes em “Seven Samurais” (1954) do grande Kurosawa. Vou aqui arriscar a minha carreira (cof cof) e afirmar que a nova versão é tão boa ou melhor que a original, por que a obra de Miike é assim tão boa. Se não, vejamos: o prólogo é o típico Miike a explorar o sadismo do sociopata Narigutsu. Somos guiados num tour pela psique perversa do senhor feudal que inclui morte, tortura e violação. Não é estabelecido que o Lord é mau, é estabelecido que ele é o ser mais horrível à face da terra e que nela alguma vez habitou. É de estranhar se a vida animal não mirrar à sua passagem, de tão pérfido que é. O mais assustador é que a personagem de Narigutsu pode encontrar eco em qualquer casa real europeia. A dada altura da história, vingou a teoria de que todos se deviam submeter ao poder de um e aos mais altos cargos ascendiam loucos com um poder louco, que provocavam destruição e morte sobre o próprio povo, ao sabor das suas vontades insanas. Esta filosofia aplicada séculos a fio teve consequências nefastas que ainda hoje permanecem. A morte de Narigutsu é mais do que um capricho. É um imperativo. Tem um significado mais vasto que se prende com o bem comum mesmo que este seja, por motivos enraizados na própria fundação da sociedade feudal, inferior ao desígnio do Shogun. O segundo acto é mais calmo, centrando-se no recrutamento dos assassinos e na preparação para o grande assalto à comitiva de Narigutsu. É-nos dado a conhecer o grupo de samurais e os principais personagens são convenientemente explorados: Shinzaemon, o homem que anseia por uma última missão que demonstre os valores de um verdadeiro samurai; Shinroukuro, o jovem sobrinho de Shimada que leva uma vida fútil e aguarda pela oportunidade de provar afinal o seu valor; o jovem samurai que segue cegamente o seu mestre para a batalha sem alguma vez ter derramado uma gota de sangue; o homem que reconhece as suas limitações na arte do combate mas está disposto a tudo para executar a nobre causa a que se propõem… Num filme sério, ainda existem momentos hilariantes para a audiência relaxar, sobretudo no papel de Koyata. Aproveitem, por que depois o ritmo é sempre a abrir. O destino deste personagem (spoiler!) pode confundir alguns dos espectadores que podem até sentir-se defraudados. Contudo, se explorarem a mitologia japonesa, conseguirão entender como os argumentistas deixaram implícita a hipótese de Koyata ser um espírito da montanha. It's a culture thing!
A narrativa é simples mas eficiente, enriquecida com o desenvolvimento dos personagens principais, depois enquadrada num cenário belíssimo, que nos transporta para uma outra era. Seguem-se 45 minutos de acção pura, uma das melhores batalhas ensaiadas em películas, sem efeitos especiais. E parecem 45 minutos, por que quando chegamos ao clímax compreendemos e de que maneira, o cansaço dos personagens. Não há facilitismos e o filme ganha grandemente com isso. É, sem sombra de dúvida, a direcção mais competente e relaxada de Miike. No final, fisicamente cansada, fiz as contas: vale a vida de 13 homens a vida de um só homem? Vale a vida de 200 homens, a vida de um só homem? Depois de tudo dito e feito, Narigutsu, ainda zomba da carcaça daqueles que mais ferozmente o protegeram. Restam dúvidas? Quatro estrelas.

Realização: Takashi Miike
Argumento: Kaneo Ikegami e Daisuke Tengan
Kôji Yakusho como Shinzaemon Shimada
Takayuki Yamada como Shinrouko
Yûsuke Iseya como Koyata
Gorô Inagaki como Lorde Naritsugu
Masashika Ichimura como Hanbei
Mikijiru Ira como Doi
Hiroki Matsukata como Kuranaga
Ikki Sawamura como Mitsuhashi
Arata Furuta como Sahara
Tsuyoshi Ihara como Hirayama
Masakata Kubota como Ogura
Sôsuke Takaoka como Hioke
Seiji Rokaku como Otake
Yûma Ishigaki como Higuchi
Koên Kondô como Horii

Próximo Filme: "The Shock Labyrinth 3D" (Senritsu meikyû 3D, 2009)

2 comentários:

  1. Não conheço este, mas estou bastante curioso e o teu texto espicaçou-me a curiosidade ;) Adoro o género, pelo que aguardo que o filme se cruze no meu caminho ;)

    Roberto Simões
    CINEROAD.net

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  2. Ainda bem :) É isso que se pretende. É para mim, a par do I Saw the Devil, um dos melhores filmes de 2010.

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