Quando se pensa que o conceito de detective já se esgotou eis que surgem cavalheiros como Johnny To (“Election, 2005), Ka-fai Wai (Fulltime Killer, 2001) e Ching Wan Lau para dar um brutal acordar à minha parva ilusão. Filmpuff Maria, ainda não vistes nada.
“Mad Detective” é um conceito simples: é um detective… que é louco. Ponto. Quer-se dizer, quando o superior se reforma o pessoal vai tomar uns copos com ele, ou prega uma daquelas partidas que nunca mais irá esquecer. Não é assim tão normal cortar-se a orelha e oferecê-la ao chefe como prova de afeição. Digo eu. O infeliz detective Bun (Ching Wan Lau) é forçado a abandonar a carreira até ali brilhante e enclausura-se em casa com a mulher May (Kelly Lin). Até ao dia em que um caso insolúvel bate à porta e Ho (Andy On) o polícia inexperiente recorre ao veterano. O que ele vê é um homem ainda mais desligado da realidade mas que ainda tem os instintos aguçados. Poderá ele forçar Bun a embrenhar-se de novo numa investigação policial a custo da pouca sanidade que lhe resta? O que vos parece?
Como se costuma dizer, há um método para a loucura e a de Bun não parece totalmente desprovida de sentido. Bun entra na pele dos criminosos e replica todos os seus passos de modo a reconstituir os seus crimes mas o mais fascinante é a sua capacidade de ver as personalidades dos que o rodeiam. Imaginem o suspeito rodeado de pessoas que parecem nada ter em comum com ele, excepto o facto de serem uma das partes da sua psique fracturada. Cada atributo forte corresponde a um “corpo” diferente que pode ser desde uma criança a um bruto de 1,90m de altura. Quem sabe se não tenho uma sueca loura e alta dentro de mim? Parvoíces à parte “Mad Detective” é interessante estudo da psique humana. Dos outros e da Bun, sendo que a deste último está muito mais próxima do ponto de ruptura do que a dos “normais”. Apesar dos momentos cómicos gerados por tal improbabilidade, a figura de Bun nunca é alvo de paródia. Piedade talvez mas é impossível rir de Bun. Ele é um homem só. Tem uma capacidade que o torna capaz de grandes feitos, impossíveis para outras pessoas mas que o afastam cada vez mais da humanidade e o torna um recluso da sua própria mente. Como não compreender a tristeza e o sentimento de impotência dos que o amam pela sua inevitável descida à loucura? O foco não é a investigação cuja conclusão linear, apenas o caminho, esse sim, exige atenção redobrada. E o novato que o acompanha tem a complexidade suficiente para não ser abafado de cada vez que Bun surge em cena e esperamos mais um dos seus desvarios. As actuações de ambos são impressionantes, particularmente de Lau que não recorre aos maneirismos habituais de quando se interpreta uma personagem do género. O recurso ao corpo para enfatizar os estados mentais tem por base a realidade mas hoje em dia é um lugar-comum e admitamos que nem todas as pessoais agem desse modo.
To e Wai não trataram “Mad Detective” com abandono, como se “Mad Detective” estivesse destinado a ser mais um daqueles filmes de investigação policial que se perdem no limbo do esquecimento. Não. Permanece bem depois de ter terminado como todos os e se’s que acompanham as questões apresentadas de modo mais ou menos explícito. O nosso comportamento é conduzido pela personalidade que toma conta de nós naquele momento? Existe apenas um “eu” ou o nosso “eu” é constituído por diversas entidades que guerreiam entre si, numa luta constante pelo controlo até à nossa morte? Até que ponto é que devemos controlar as nossas habilidades extraordinárias para nos inserirmos no padrão? Apenas não esqueçamos uma questão: na sua loucura, Bun nunca esquece o motivo pelo qual persegue o criminoso. A despeito do comportamento errático distingue o bem do mal, talvez até melhor que os que não sofrem de maleitas da mente. Três estrelas e meia.
Realização: Johnny To e Ka-fai Wai
Argumento: Ka-fai Wai e Kin-yee Au
Ching Wan Lau como Detective Bun
Andy On como Inspector Ho
Kelly Lin como May
Flora Chan como May
Ka Tung Lam como Ko
Próximo Filme: "Dark Water" (Honogurai mizu no soko kara, 2002)
Estava curioso com esta review. Por acaso não achei o filme extraordinário, mas aquela parte final é sem dúvida poética.
ResponderEliminarBons filmes.