domingo, 15 de dezembro de 2013

"V/H/S", 2012


Quem acompanhou o ruído gerado em torno de “V/H/S”, quase poderia pensar que esta antologia de terror trouxe algo de novo ao já testado género. Quase. Outros exemplos podem ser amplamente verificados neste blogue, através da etiqueta criada para o efeito. Quando muito, um estilo amador de câmara no ombro prevalente a todas as curtas e a surpresa por alguém ainda utilizar as bem velhinhas cassetes VHS (Video Home System). O mesmo país que gerou o brilhante “Creepshow” (1982) tem memória curta e é de modas pelo que o mais certo é V/H/S transformar-se noutro milagre da multiplicação de redundâncias à la “Saw” ou “Paranormal Activity”. Podem esperar, no mínimo, por uma terceira e quarta entradas (já existe uma sequela).

“Tape 56”
Um grupo de bandidos que gosta de filmar as façanhas criminosas que incluem o vandalismo e o assédio sexual e disposto a qualquer atividade que lhes dê a ganhar o próximo troco, é agora contratado para entrar numa casa e recuperar uma cassete VHS. Lá encontram um velho morto e em frente um leitor de cassetes. Enquanto o resto do bando se dedica a recolher todas as cassetes que encontra, um deles fica para trás e decide visionar uma delas sozinho…


“Amateur Night”
Shane, Patrick e Clint são três amigos pouco espertos que decidem alugar um quarto de hotel para uma noite de loucuras e filmá-las (claro). O grupo acaba por retornar com duas jovens, Lisa que está demasiado alcoolizada para levar os avanços sexuais de Shane até ao fim e Lily uma estranha rapariga que não faz segredo de admirar Clint. À medida que a noite avança os acontecimentos revelam-se inesperados e perigosos para o grupo de foliões.

“Second Honeymoon”
Sam e Stephanie são um casal que se faz à estrada para uma segunda lua-de-mel. Num parque de atracções Stephanie recebe a previsão astral de que irá brevemente reencontrar um amor perdido. Uma noite, uma estranha bate à porta do motel onde alugaram quarto a pedir boleia. Sam recusa e fecha-a do lado de fora. Nessa noite alguém entra no quarto do jovem casal e além de os roubar, prega-lhes umas partidas muito feias…


“Tuesday, the 17th”
Um grupo de amantes da natureza decide acampar. Apenas Wendy não parece estar muito entusiasmada com a aventura, recordando-se a cada nova atividade que encetam de acidentes ocorridos há algum tempo que vitimaram outros amigos. Então, qual estória saída de um conto de terror Wendy conta-lhes como um assassino matou os seus amigos numa excursão de campismo o ano passado. A ficção torna-se realidade quando alguém começa a persegui-los com intenções malévolas.

“The Sick Thing That Happened to Emily When She Was Younger”
Emily conversa com o namorado James que se encontra noutro país através de webchat. Ela está sozinha e cada vez mais enervada. Barulhos, portas a ranger e a silhueta de uma criança a atravessar corredores levam-na a crer que a casa está assombrada. A somar aos truques de uma mente hiperactiva e assustada juntam-se as memórias de um acontecimento de infância que a deixou traumatizada. À distância James nada pode fazer para a ajudar.

“10/31/98”
Um grupo de amigos veste-se a rigor para uma festa de Halloween. O problema é que não sabem onde é. Sem querer entram numa casa onde pensavam que se ia realizar a festa e exploram-na para encontrar os foliões. Nada os podia preparar para o que iriam encontrar no seu lugar.





Construído como uma espécie de portfólio do trabalho dos seus jovens realizadores, “V/H/S” tem ao menos a decência de oferecer uma conexão entre as narrativas através da estória inicial ao invés de dizerem “aqui estão cinco curtas-metragens, vejam”. Isto, embora, a curta-metragem que tenta introduzir algum tipo de sentido à antologia não anteveja uma boa aventura cinematográfica. Quando surge no ecrã um grupo de jovens bandidos inveterados que vitimiza todos à sua volta é difícil sentir empatia por eventuais dificuldades que se lhes atravessem no caminho. A sério, que pais gostariam de ter escumalha daquela como filhos? Mas se ele há cliché de filme de terror é “cá se fazem, cá se pagam” e certo como o destino, a punição virá rápida, furiosa e sem contemplações. Se não, vejamos: destroem propriedade pública, levantam os tops de raparigas para exibir online e o mais recente empreendimento é invadir casas de pessoas para roubar itens. Os diálogos de “Tape 56” são tão idiotas quanto as personagens que os proferem o que faz sentido, penso eu. Nada se sabe sob o background das personagens, o que as levou àquela vida de desvario, de procura de dinheiro fácil, imoral. Não há aspirações nem motivações. É hedonismo, imediatismo, egoísmo e… quanto mais depressa terminar a nossa tortura melhor. O teste à resistência de “V/H/S” é conseguirem ultrapassar os primeiros 2 minutos de visionamento.
Quando damos por isso, (que não é fácil perceber onde começa uma curta e termina outra), temos novo grupo de imbecis em “Amateur Night”, na senda de quem comete as maiores atrocidades à inteligência humana. Com probabilidade criados na mesma escola da malta da curta anterior, o seu dislate de eleição é o álcool até ao quase coma e o sexo com raparigas desconhecidas, filmado sem o consentimento destas. Não fosse a premissa já suficientemente má, estive a um bocadinho assim de parar o filme quando desconfiei que os mocinhos iriam mesmo tentar ter relações sexuais com uma rapariga inconsciente ou, se preferirem uma linguagem sem eufemismos, violação. Felizmente, o temor não passa disso mesmo e a película redime-se quando os papéis se invertem. Surge a primeira mulher, nesta antologia francamente misógina, que toma as rédeas e faz do homem o seu brinquedo ainda que ela possa não pertencer a este mundo. Quer isto dizer que as “mulheres” só se safam de praticar as mesmas ofensas que os homens lhes fazem a elas se forem “estranhas”? E que nenhum homem se atreva a dizer que o final é demasiado violento para o sexo masculino. Arranjem um guardanapo e limpem a lagriminha no canto do olho. Melhor ainda guardem a caixa junto de vós que o que vem a seguir não é muito melhor…
Se não soubesse que “ Second Honeymoon” tinha sido realizado por Ti West, sim, é o mesmo realizador de “The Innkeepers” e mo dissessem não acreditaria. Apenas demonstra que sem uma boa base, até os realizadores mais experientes fazem películas que parecem saídas de um projeto final de curso. Se West tem uma “assinatura” ela não surge em “Second Honeymoon”. Esta película foca um casal numa segunda lua-de-mel em viagem pelo país. Eles parecem satisfeitos um com um outro até que o passado lhes bate à porta. Velhas amarguras vêm ao cimo e demonstram o que se sucedeu no passado não ficou por lá. Também há um misto de premonição, com uma atracção de feira a dizer a Stephanie que irá reencontrar um amor perdido e Sam não faz muito pela sua causa ao deixar-se levar por rancores antigos. Na hora de escolher Stephanie não parece ter grandes duvidas. A utilização da câmara pelo casal é das mais lógicas em toda a película. Um casal filmar uma viagem não parece estar a esticar os limites da imaginação. Ora, que um intruso filme as ilegalidades que comete é apenas estúpido. A relação do casal é pouco explorada e ficam bastantes dúvidas sobre a sequência de eventos. Este é daqueles casos em que deixar perguntas por responder é mais irritante do que interessante. Já havia um plano prévio? Ou os eventos não foram mais do que fruto da oportunidade? Qual o objectivo por trás da violência? Vingança? Preparem-se apenas para uma surpresa que faz recordar o videoclipe “Smack my Bitch up” dos The Prodigy.
Segue-se “Tuesday, the 17th” uma homenagem não muito bem-sucedida do género slasher. Porque é que alguém volta a um local traumático por outro motivo que não o de fechar esse capítulo da sua vida é algo que me escapa. Mas não, Wendy tem uma agenda bem mais negra. Que se lixe o facto de arrastar novos “amigos” para ali. É tudo eu, eu, eu. Mas “V/H/S” não seria “V/H/S” sem os personagens detestáveis. Habituem-se. O assassino revela-se tão misterioso como os das sequelas que o precederam e pela primeira vez uma ideia singular. E se uma pessoa/entidade pudesse estar em dois lugares ao mesmo tempo? E se tivesse a capacidade de se desmaterializar e surgir num local diferente sem sequelas? É material para um slasher com 80 minutos mas, por favor, arranjem personagens mais simpáticas.
Na corrida para “Títulos com os nomes mais longos do cinema” está “The Sick Thing That Happened to Emily When She Was Younger” que curiosamente, nem descreve bem o que se passa durante a curta-metragem nem consegue ser inesperadamente espirituosa. Pela segunda vez um momento de inspiração em “V/H/S”, a personagem capta o que se passa na sua casa através da webcam. Esta abordagem menos convencional ainda assim faz mais sentido do que aquele pessoal irritante que pensa que é cineasta e transporta uma câmara para todo o lado, incluindo as idas à casa-de-banho. Emily e James são um casal acessível e com a qual, muitos se poderão identificar. Numa nova fase da relação em que têm de superar a dificuldade da distância vivem agarrados ao mundo intimo através do Skype. Curiosamente, nem o breve momento de “sexting” (troca de conteúdos de teor sexual mediante nova tecnologia à distância), os torna menos reais. Emily começa a ver e ouvir coisas na nova casa que não têm origem neste mundo e agarra-se à webcam e às palavras de conforto de James para se sentir menos só e validar os acontecimentos. Não são macaquinhos no sótão. A audiência acompanha uma trémula Emily enquanto ela tira sentido dos eventos sobrenaturais mas sem esquecer que, para todos os efeitos, ela está só. James não a pode salvar. De tal modo que a reviravolta tem resquícios de traição.

“10/31/98” é uma lufada de ar fresco. Finalmente jovens que não são uns parvalhões e com mais do que um neurónio entre eles. É certo que dizem todas aquelas coisas que a malta nova diz que, olhando, para trás, os próprios pensam, “eramos uns idiotas na altura” mas não possuem maldade. E há qualquer coisa de engraçado em malta mascarada que é impossível de levar a sério. Um deles está vestido de coelho e tem uma câmara no fato, numa homenagem às câmaras instaladas para monitorizar as amas dos bebés, uma realidade longe da maioria dos países. Trágicomédia talvez, mas “10/31/98” deve ser a curta-metragem com o mais próximo de uma lição de moral. Só não é uma lição que inspire grande confiança na humanidade. Também segue à risca a conclusão das outras curtas, não há distinção entre quem vive ou morre.
“V/H/S” é uma obra desigual, com acervos de invenção como “The Sick Thing That Happened to Emily When She Was Younger” e “10/31/98” e curtas tão fracas que constituem uma mancha no currículo de realizadores que já demonstraram capacidade no género “You’re Next” e “The Innkeepers”. Costuma-se dizer que o conjunto vale mais que a soma das suas partes mas neste caso são as partes que contribuem para elevar uma antologia na maior parte sofrível. É curioso verificar que as equipas entram nos filmes seguintes, há argumentistas e realizadores a fazerem de actores, nas suas e nas curtas que se lhes seguem mas é pouco para coerência. E, claro, encontra-se mais um apetite para destruição do que um trabalho de amor, com orçamento pequeno ou não. “V/H/S” não merece todo o louvor que lhe é apontado mas como referi logo no início o público é de modas e o timing, a somar excelentes manobras de marketing (uau, não sabia que tantos anos depois uma antologia ainda é algo nunca visto em cinema), contribuíram para o sucesso. A História dirá se “V/H/S” se tornará uma referência ou caíra no esquecimento. Duas estrelas.

“Tape 56”
Realização: Adam Wingard
Argumento: Simon Barrett
Calvin Reeder como Gary
Lane Hughes como Zak
Kentucker Audley como Rox
Adam Wingard como Brad
Simon Barrett como Steve

“Amateur Night”
Realização: David Bruckner
Argumento: David Bruckner e Nicholas Tecosky
Hannah Fierman como Lily
Mike Dolan como Shane
Joe Sykes como Patrick
Drew Sawyer como Clint
Jas Sams como Lisa

“Second Honeymoon”
Realização: Ti West
Argumento: Ti West
Joe Swanberg como Sam
Sophia Takal como Stephanie
Kate Lyn Sheil como Rapariga

“Tuesday, the 17th”
Realização: Glenn McQuaid
Argumento: Glenn McQuaid
Norma C. Quinones como Wendy
Drew Morlein como Joey
Jeannine Elizabeth Yoder como Jeannine
Jason Yachanin como Spider
Bryce Burke como “Glitch”

 “The Sick Thing That Happened to Emily When She Was Younger”
Realização: Joe Sawnberg
Argumento: Simon Barrett
HelenRogers como Emily
Daniel Kaufman como James

“10/31/98”
Realização: Matt Bettinelli-Olphin, Tyler Gillet, Justin Martinez e Chad Villela aka “Radio Silence”
Argumento: Matt Bettinelli-Olphin, Tyler Gillet, Justin Martinez e Chad Villela aka “Radio Silence”
Chad Villela como Chad
Matt Bettinelli-Olphin como Matt
Tyler Gillet como Tyler
Paul Natonek como Paul
Nicole Erb como Rapariga

Próximo Filme: "My wife is a gangster 2" (Jopong manura 2: Dolaon jeonseol, 2003)

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