Todos conhecem alguém que sofreu de “bullying” durante os anos de escola, ou foram eles próprios vítimas. É quase um ritual de passagem, uma realidade da vida, que magoa enquanto dura e depois se vai embora, tão rápido quanto surgiu. Uma mera mancha numa vida que se prevê de sucesso e produtiva. É coisa de canalha, não mata ninguém. Aos agressores passa-lhes, às vítimas, essas têm é de ser fortes e aguentar. Não é? Este é o tipo de discurso mais comum e que peca por ainda não ter sido erradicado das mentes comezinhas dos idiotas que, suspeito, se encontravam no lado dos agressores ou dos indiferentes, e não sofriam na pele tal abuso.
“Neighbor no.13” foca a estória de Juzo Murasaki (Shun Oguri) um jovem que durante os tempos de escola era sistematicamente perseguido, atormentado e vítima de sevícias várias por Toru Akai (Hirofumi Arai) e o seu gangue de rufias. Ele é aquele tipo de miúdo introvertido que nunca irá contar a ninguém os abusos de que é alvo e faz, portanto, as delícias de miúdos com a malícia em mente. Anos mais tarde, Juzo continua a ser um adulto calado, levando uma existência benigna e muito aquém de extraordinária. Até ao dia em que se muda para o mesmo edifício onde mora o seu antigo atormentador Toru, agora casado e com um filho. Quer também o destino, (ou é demasiada coincidência?), que Juzo comece a trabalhar na mesma empresa de construção civil que Toru. Tantos anos passados e nada mudou, Toru continua um cretino da pior espécie e inicia a fazer de Juzo a nova cobaia para todo o tipo de maus-tratos no local de trabalho. A pior ofensa? Toru nem sequer se recorda de Murasaki. O que podia tornar-se uma repetição dos tempos de escola, indicia tornar-se em algo completamente diferente. É que todos aqueles anos atrás, algo se quebrou dentro de Murasaki. A sua mente fragmentou-se, criando uma personalidade distinta da sua (Shidô Nakamura) que ostenta as suas cicatrizes, qual Jekyll e Hyde. Ele vive numa luta constante entre manter a fachada de vulnerabilidade e libertar o monstro sedento de vingança que se encontra dentro dele. “Neighbor no.13” resulta pois num estudo sobre os efeitos psicológicos do abuso.
Murasaki é um capacho, disso não restam dúvidas, mas a personagem criada pelo ódio retido na sua carapaça frágil é o oposto dele. Nem este Jekyll é uma personagem que inspire respeito nem o seu Hyde possui algo mais do que perversidade, o erotismo da maldade do personagem de Mary Shelley. O único momento de sugestão de volúpia sucede numa breve interacção entre Juzo e Nozomi (Yumi Yoshimura), a bela mulher de Toru que, vá-se lá perceber porquê, acha boa ideia que o vizinho, que não conhece de lado nenhum, tome conta do filho enquanto vai numa saída romântica com o marido. Mas até ela representa algo de amoral, como demonstra uma sequência que não interessa particularmente à construção do enredo que não a de declarar que qualquer personagem possui pelo menos um aspecto da personalidade duvidoso em “Neighbor no.13”. Até o puto, que ainda agora começou a andar, já ameaça tornar-se um pequeno terrorista à semelhança do pai!
Ao longo de toda a película, há uma sensação crescente de tensão e desconforto pois nunca se sabe quando é que Murasaki irá finalmente explodir. Será que ele irá finalmente confrontar o seu agressor? Haverá possibilidade de paz ou foram, já, ultrapassadas quaisquer hipóteses de perdão? A estas perguntas são dadas várias respostas revelando ou receio do argumentista em comprometer-se com uma solução ou o desejo de agradar a gregos e a troianos. A hipótese de vingança é possível e expectável desde os primeiros minutos do filme mas levanta a questão do incentivo à justiça pelas próprias mãos numa sociedade colectivista. Outra perspectiva é uma de inactividade que não acalma os desejos de punição dos agressores. É a possibilidade mais usual mas pode assemelhar-se a concordância implícita com os actos realizados se não menos o minimizar da questão. A decisão é sempre um imbróglio mas a não-decisão do argumentista redunda em cobardia. Note-se que “Neighbor no.13” é uma obra tão mais relevante porque, no Japão, o “bullying” é um fenómeno persistente, sendo que miúdos desde a pré-adolescência continuam a suicidar-se e a auto mutilar-se na sequência das humilhações a que foram sujeitos, sem consequências práticas para os que motivam tais actos desesperados. Realizado em 2005, “Neighbor no. 13” mantém-se actual, mas perde toda uma série de oportunidades, desde personagens unidimensionais a soluções que evitam a verdadeira reflexão sobre o problema e propostas para a sua resolução. A manutenção do “status quo” é conveniente mas não faz um bom filme. Duas estrelas.
O melhor:
- A tensão!
- A sequência de animação que surge de nenhures
- O cameo de Takashi Miike
O pior:
- Amo o actor Shidô Nakamura aos molhos mas este não é o seu melhor papel.
- Um cacto tem mais personalidade que o Shun Oguri.
- Desenlace teatral que já vimos 294738347 vezes antes.
- O à-vontade de Nozomi em deixar um filho com um estranho.
- A falta de coragem em assumir tudo o que se passou durante 100 minutos.
Realização: Yasuo Inoue
Argumento: Hajime Kado e Santa Inoue (Mangá)
Shun Oguri como Juzo Murasaki
Hirofumi Arai como Toru Akai
Shidô Nakamura como Vizinho n.º 13
Yumi Yoshimura como Nozomi Akai
Takashi Miike como Kaneda
Próximo Filme: "Insidious: Chapter 2", 2013
Muito bom o seu texto sobre esse filme. Parabéns.
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