quinta-feira, 24 de julho de 2014

Motelx abre com um toquezinho a Coreia*



O Motelx está aí a rebentar (é só em setembro mas quem está a contar os dias?) e os fãs de terror têm razões para ficar contentes. A conferência de imprensa do Motelx – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa deixou antever que, entre outros, o cinema São Jorge tem o Teatro Tivoli por companheiro e que os primeiros filmes anunciados deixam água na boca. SÓ na secção Quarto Perdido vamos ter películas como “Life After Beth” que se não reinventa a comédia zombie, pelo menos dará para recordar nostálgico o “Shaun of the Dead” – desculpem qualquer coisinha mas gosto de fingir que o “Warm Bodies” não aconteceu e que vai ser exibido o mais brutal, mais assombroso e menos hiperbólico filme que já se viu na tela desde o “The Raid: Redemption”, o “The Raid 2”. E porque não se diga que as criancinhas não têm a devida atenção, vem aí o Lobo Mau com o “Pinocchio”, “Fantasia” e “Snow White and The Seven Dwarfs”. Tudo clássicos de levar os meninos às lágrimas e recalcamentos tais que só passados muitos anos de terapia é que irão compreender que na base dos seus medos mais profundos se encontra aquele filme inofensivo que os pais os levaram a assistir há tanto tempo atrás. E se a organização quiser fazer mesmo mazelas, pode ser que para o ano exibam “The Rescuers”. Se não gostarem desse filme de animação não têm coração meus queridos. Ai naninanão que não têm. Pobre Penny. Mas já voltamos a esse filme…

E como não estivessem já os cinéfilos com o apetite bem aguçado, eis que o prato principal e sobremesa foi “Snowpiercer” de Joon-ho Bong*. (Sim, eu sei que estão fartos de ler em todo o lado “Bong Joon-ho” mas por uma questão de coerência deste estaminé é nome próprio seguido de apelido, sim?) Num futuro pós-apocalíptico, ou como costuma fazer sentido que se iniciem quaisquer críticas que se refiram a um futuro mais ou menos indistinto onde a humanidade se encontra quase extinta porque esta, sozinha, contribuiu para a destruição do planeta (quem diria?), um super-comboio atravessa o globo ininterruptamente. Porquê? Não é como se importasse, fá-lo e pronto. A terra encontra-se a atravessar uma era glacial e o comboio é a única esperança de sobrevivência da humanidade. Para não variar, o Homem continua no seu melhor. No comboio vigora um “Estado” Totalitário sob o comando do elusivo Wilford e os habitantes nas carruagens inferiores estão reduzidos a meros mendigos. Porcos, feios e quase despojados de humanidade aguentam as piores sevícias até ao mais recente dissabor. Os passageiros da frente reclamam duas pequenas crianças para si (vide “The Rescuers”) – juro que não spoilo mais nada –, e eles decidem enfim, encetar a revolta. O objectivo? Chegar à cúpula. O que farão depois disso logo se verá. “Snowpiercer” não é nenhum “The Host” (2006) ou “Memories of Murder” (2003), mas serve para o efeito e, como vou dizendo, bom seria se todos os realizadores tivessem pelo menos um grande filme no currículo. “Snowpiercer” é um híbrido, criado para apelar um público mais vasto ou não fosse o protagonista um Chris Evans ainda assim, “enfeiado” com um nariz prostético para se parecer de forma vaga com um vagabundo comedor de criancinhas. (Não, desta vez a prótese não dará direito a um Óscar). O elenco é um desfile multiétnico de grandes estrelas e actores consagrados num produto que devia ser o grande filme catástrofe da segunda década do milénio ficando apenas a instantes disso mesmo. Não me entendam mal, “Snowpiercer” é mais cerebral que qualquer cataclismo que tenham visto nos últimos anos: se retirarmos o comboio imparável e as personagens excêntricas (se não soubesse, não conseguia reconhecer a Tilda Swinton!), a ideia base é conhecida, incidindo sobre a luta eterna do homem contra os seus pares. A impossibilidade de colaboração por oposição à competição, a concepção da superioridade de uns sobre outros e a consequente exploração dos subjugados por aqueles que detêm os recursos essenciais à geração de vida são tão reais agora como eram há centenas de anos, com a diferença de que agora utilizamos números para descrever a situação: 99% versus 1%. A tese da novela gráfica em que “Snowpiercer” se baseia causa desconforto e aí poderá residir um dos elos mais fracos para a captação de audiências. Isso, e cortes desnecessários (que levante a mão em que acha que os Weinstein deviam guardar o lápis azul). É dado tantas vezes repetido que o Homem tende a evitar o desconforto e a buscar o prazer. Mas também é verdade que filmes de desastres são muitas vezes ridículos servindo apenas combustível suficiente para a audiência sair da sala de cinema agradada com a mensagem de esperança de final. Pouco espaço é deixado para a reflexão. Então, porque é que Joon-ho Bong fez a aposta controversa de realizar um filme catastrófico, com tão desagradável subtexto social? Duas desgraças num só filme? Venham daí mais que, meus queridos fãs de terror, é este o nosso alimento e o Motelx ainda agora começou... Três estrelas e meia.


Realização: Joon-ho Bong
Argumento: Joon-ho Bong e Kelly Masterson
Chris Evans como Curtis
Kang-ho Song como Min-soo
Ed Harris como Wilford
John Hurt como Gilliam
Tilda Swinton como Mason
Jamie Bell como Edgar
Octavia Spencer como Tanya
Ewen Bremmer como Andrew
Ah-sung Go como Yona

2 comentários:

  1. Eu gostei imenso do "Snowpiercer". Muito provavelmente porque não tinha qualquer tipo de expectativa quando vi o filme, nem o trailer tinha visto, nem conhecia a história!

    Sarah
    http://depoisdocinema.blogspot.pt

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  2. Não digas uma coisa dessas Sarah!!! Do realizador do "The Host" só se podiam esperar coisas boas. Mas ainda bem, porque assim viste e gostaste sem qualquer expectativa prévia :)

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