domingo, 7 de dezembro de 2014

“NAFF – Not a Film Festival”- parte 1 ou, um GPS dava jeito!



Já tinha dito que queria ir. Mas entre compromissos, chuva, frio, sonos retardados e alguma preguiça vá, fui adiando. Era domingo à noite (21 de novembro) e feita corajosa fiz-me à estrada. Foi ali para os lados de Benfica, num Turim que não é visitado o suficiente e não tem rede telefónica. Quem precisa disso numa sala de cinema?! A chegada foi uma aventura. Na minha melhor demonstração de incompetência em sentido de orientação e apesar de já lá ter passado umas quatro vezes, fui incapaz de chegar à sessão “Not a Film About Us” a tempo. Percorrer a estrada de Benfica à noite e ao frio é uma experiência fascinante mas não tanto quanto teria sido ter assistido às duas sessões a que me propus. Felizmente não ia em trabalho, como uma jornalista a sério, se não levava uma reprimenda do chefe! Assim, quedei-me pel’ “A Máquina”, que apresenta um velho barbudo e engenhocas, grande cientista autodidacta desconhecido do nosso tempo; uma “Emília” que descobre a jovem rebelde e revoltada que há em todos nós (que permanecemos em Portugal), a “Fúria” de miúdos cujos pais deverão pensar algo como “antes levarem nas trombas num ringue” do que andar na rua na vadiagem e “A Remissão Completa” sobre a redenção de um incorrigível.
“A Máquina” é um mix de qualquer coisa cómica com qualquer coisa de desconcertante. Todos têm um “louco” na sua vida. Aquele género de pessoa que é meio exagerada e meio genial e tivesse ela apoio (recursos humanos e materiais – não falemos de dinheiro por aqui), quem sabe que resultados podiam advir daquela loucura metódica? O avô deseja construir uma máquina que crie uma energia eternamente renovável. Ele admite que talvez nunca venha a conseguir alcançar o seu objectivo e que enquanto possuir a faculdade mental e vigor físico a busca incessante irá manter-se. As suas confissões meandram entre a paixão pela verdade e o afastamento da solidão. “A Máquina” revela-se pois o exercício mais forte, mais intimista, afinal é dedicada a um avô, numa sessão onde se esperava que o cenário mais próximo dos corações se encontrasse na desolada “Emília”. Após um documentário melancólico “Emília” não parece procurar a esperança. À semelhança de muitas outras jovens, ela encontra-se desempregada e desesperada com a situação financeira. Com uma mãe doente e com as mais recentes perspectivas de emprego goradas, a independência não passa de uma miragem. A isto não ajudam as estórias de outros mais bem-sucedidos e “amigos” condescendentes. Se ela quisesse podia ter um trabalho, tem é de se sujeitar. Depois surgem os rebeldes com uma causa, que lhe dizem para lutar contra o sistema, por um destino melhor. Porque parecerá toda esta sucessão de acontecimentos uma encenação? Já o vimos demasiadas vezes? Ou é “Emília” a jovem que podia ser anónima mas não é e representa todos esses jovens anónimos desesperados uma película sem alma? Em 15 minutos, Emília encontra dentro si a força para a ruptura. O que a compele para uma marcha lenta, inútil e sem quaisquer efeitos práticos contra forças que auxiliam a manutenção do status quo mas o representam. Lutar contra canhões com uma pena, hã? “Fúria” descreve o quotidiano de miúdos de um bairro pobre que entre as brincadeiras de rua descarregam a energia no boxe. É uma coisa positiva estão a ver? Dá aos miúdos um objectivo e afasta-os da realidade brutal da rua. Praticam um desporto, adquirem disciplina e descarregam a bílis. Está implícito. É um retrato. E ficamo-nos por aí.
 “Remissão Completa” completo com uma alusão ao cancro é uma estória em tons de rosa. Um homem odioso, daqueles que têm tudo menos um coração perde a razão de ser quando perde a mulher para um cancro. Ele retirava tudo a quem tivesse de ser, para seguir as ordens rígidas, cegas do banco para o qual trabalhava. Um dia, uma das suas vítimas diz-lhe algo que ressoa dentro dele. Como umas palavras ecoam dentro de um corpo oco é um enigma mas é o que acaba por suceder depois do Karma fazer das suas. O mal que lançou para mundo é-lhe agora devolvido. Perde a mulher que amava – notem que no inicio ele está numa discoteca a beijar uma mulher que poderá não ser a esposa –, passa a viver num quarto arrendado com uma velha senhoria (pobre coitado) até que um dia encontra a hipótese. Não, o desejo, da redenção numa boa acção. A moral da estória não é a de que “um Homem pode mudar” mas a de que se cometer um acto altruísta resultante de um desejo egoísta: “se eu fizer uma boa acção, eu poderei ser melhor logo, terei uma boa vida novamente”, isso, não é censurável. E para concluir o facto de ele se ter tornado uma pessoa melhor, ele necessita de narrar aquilo por que passou a um amigo de infância. Narcísico no mínimo. A grande vitória do pouco que tive oportunidade de assistir nesta sessão “Not a Film About Us” foram as ideias havidas e não necessariamente o modo como foram retratadas. Duas estrelas e meia.

Curta-metragem #1: “A Máquina”
Realização: Mafalda Marques

Curta-metragem #1: “Emília”
Realização: Diogo M. Borges
Argumento: Diogo M. Borges

Curta-metragem #3: “Fúria”
Realização: Diogo Baldaia
Argumento: Diogo Baldaia e Manuel Rocha da Silva


Curta-metragem #4: “Remissão Completa”
Realização: Carlos Melim
Argumento: Frederico Ferreira

Próximo Filme: "The Sylvian Experiments" (Kyofu, 2013)

2 comentários:

  1. Excelente critica. Bom trabalho!! Irás analisar os restantes dias do festival também?

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  2. Obrigada. Só mais uma sessão, a "Not a Scary Session" de 21 de novembro. Não dá para mais.

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