quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"Blood Curse" (Coisa Ruim, 2006)



Ah, como é bom o sonho de ter uma grande casa no campo e viver o resto dos dias na paz e no sossego em comunhão com a natureza. Para a família Monteiro esta premissa não é inteiramente verdade nem é, se calhar, verdade para a maioria dos seus elementos. Xavier (Adriano Luz) um professor universitário decide mudar-se com a mulher, os filhos e um neto, para uma aldeia, no município português de Seia, após descobrir ser o único herdeiro de um tio afastado. Esta mudança constitui para ele uma oportunidade já a pensar na reforma e de se libertar da azafama da capital lisboeta. A mulher Helena (Manuela Couto) apoia-o com algumas reservas. Os filhos é que não parecem estar muito contentes com a falta de acesso ao mundo exterior, em particular, o filho mais velho Rui (José Afonso Pimentel). Sofia (Sara Carinhas), a filha adolescente é já mãe de um bebé, do qual recusa identificar a identidade paternal e aparenta uma maior resignação, preferindo passar despercebida.


A família Monteiro descobre com alguma rapidez que ao herdar a casa estão a herdar também os seus fantasmas, que as gentes da terra alimentam com o habitual mix de folclore com religião temente a Deus. Isto é uma delícia para a mente cientifica de Xavier que apesar de céptica deseja sorver todas as histórias a seu redor. Já Helena começa a ficar cada vez mais reticente quanto à mudança dado que as histórias, sobretudo as que são contadas pelos caçadores e pelo padre da terra começam a confundir-se com eventos estranhos na casa que agora habitam. Esses eventos consistem sobretudo ruídos e outros indícios que podem ter explicações mais terrenas pelo que a aceitação de uma assombração pela família é um pouco complicada de aceitar. Necessitavam sem dúvida mais uma ou duas sequências dessa natureza para reforçar a crença do sobrenatural.
“Blood Curse” aborda motivos comuns nas histórias de casas assombradas, o pai que arrasta uma família relutante para um local para onde não quer ir; uma atitude estranha por parte dos locais; acontecimentos estranhos que dividem a família; a profunda divisão no que toca a permanecer no local em que se investiu ou regressar à proveniência; a dicotomia ciência vs. folclore/religião, entre outros. As interações desta família disfuncional são talvez um pouco mais cuidadas e escapam aos vícios da escrita-preguiça, como a existência de um trauma relacionado com uma morte na família ou um divórcio. A família Monteiro tem isso sim, um grave problema de comunicação. Existe um pacto de silêncio implícito no que se refere à gravidez da filha do meio, fazendo aparentar a quem esteja no exterior a observá-los que reina a paz no seu seio. Existe uma alusão à possibilidade de incesto, mas esta é rápida e nunca volta a surgir deixando a resposta para a nossa imaginação embora, em certos casos é preferível deixar algumas pedras por revirar.
O filme tem uma qualidade onírica que é enfatizada pela câmara desfocada umas quantas vezes a mais para ser mero descuido, tentando talvez significar o cruzamento da realidade com a história da casa e, na verdade, daquela localidade. Essa qualidade é depois desfeita sem cerimónia num final apressado e, a bem dizer, atabalhoado, onde é gritante o parco orçamento. Além disso, volta a reforçar o filme junto dos seus conterrâneos com todos os clichés que isso implica. Mais uma vez o drama humano é relegado para segundo plano dando lugar a um final insatisfatório, mas mais convencional.
As maiores virtudes de “Blood Curse” residem em deixar a natureza da assombração deliberadamente vaga quase até ao final dos seus parcos 97 minutos e no facto de não insistir nos sustos de sobressaltos repentinos. No entanto, o percurso sinuoso deixa adivinhar que o argumentista Rodrigo Guedes de Carvalho não sabia como chegar ao final ou não tinha a real certeza do que queria fazer com ele, o que é uma pena dado o caminho trilhado até ali. Duas estrelas e meia.

Realização: Tiago Guedes e Frederico Serra
Argumento: Rodrigo Guedes de Carvalho
Adriano Luz como Xavier Oliveira Monteiro
Manuela Couto como Helena Oliveira Monteiro
Sara Carinhas como Sofia
José Afonso Pimentel como Rui
João Santos como Ricardo
José Pinto como padre Vicente
João Pedro Vaz como padre Cruz
Miguel Borges como Ismael

Próximo Filme: Buppa Rahtree, 2003

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