quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Furie (Hai Phuong, 2009)

As 3 fúrias são 3 figuras da mitologia grega e, mais tarde romana, cuja estória de origem difere mas, no essencial, ligadas ao submundo, que perseguem com um espírito de justiça vingador as pessoas malévolas. Pretende-se, através do temor a estas que as pessoas não tenham atitudes condenáveis a nível moral e societal como o homicídio, ofensas contra os deuses, conduta pouco filial ou perjúrio.

Hai Phuong, interpretada por Veronica Ngo, mais conhecida a nível internacional pelo pequeno mas impactante papel de Paige Tico e, mais recentemente, como Quynn em The Old Guard é a Fúria titular. Algures um executivo considerou que manter o nome da personagem não traduziria bem para as audiências internacionais mas o que é que eu sei de marketing para cinema? Hai Phuong é uma ex-gangster que largou a vida do crime e mudou de cidade após descobrir que estava grávida. Nesta nova encarnação a pobreza e um trabalho legal, mas demasiado próximo para conforto da antiga vida que abandonou - faz a cobrança de dívidas -, valem-lhe a censura da filha Mai (Mai Cát Vi) e a desconfiança dos locais. Num raro momento em que questiona a inocência da filha, acusada de um roubo que não cometeu, esta foge e acaba por ser raptada por bandidos. Para Hai Phuong é impossível assistir de forma impávida e serena, promovendo uma perseguição implacável para reaver a sua filha antes que seja tarde demais.

Se Furie parece familiar é porque já vimos outros filmes de mães-coragem lutando, contra tudo e todos, para reaver a sua prole. Mas e se vos disser que a Veronica Ng já fez este filme antes e melhor? Em 2009, Ng fez o filme "Clash", cuja apreciação podem encontrar neste mesmo blog, com Johnny Tri Nguyen, um actor praticante do Vovinam (arte marcial vietnamita), em que Ng, que também integrava o submundo do crime tentou resgatar a filha das mãos de um barão do crime. As cenas de acção corpo-a-corpo eram pelo menos mais realistas e o final surpreende.

Furie, lamento dizê-lo, aparte uma perseguição de mota ao longo de um rio e da capacidade da actriz de nos bombardear com torrentes de água oriundas dos seus canais lacrimais - juro que pensei que ninguém conseguia fazer concorrência às actrizes coreanas -, é uma desilusão. Sim, há cenas em que o elenco pouco mais que secundário, além de Hai Phuong e de um polícia que decide apoiá-la dá mostras de atleticismo, no entanto, a coreografia fica aquém do que já se fazia em 2009. Com isto, não menosprezo a importância de uma arte marcial menos conhecida ter atenção no palco mundial, à semelhança do que sucedeu em 2011 com "The Raid: Redemption", para mais, quando esta demonstra um nível de realismo longe das encenações graciosas de kung fu de inícios do milénio que já cansam e se aproxima mais do fenómeno John Wick (2014) ou Atomic Blonde (2017). A violência é esperada e quase glamorizada, os golpes são vistos e quase sentidos, o argumento é muitas vezes mínimo, com pequenas pausas para respirar, ao encontro das expectativas das audiências dos novos filmes de acção de 2010 em diante.

O argumento de Furie, não é muito exigente, dando total enfoque à missão de Hai Phuong, sendo pontuado pelos clichés do bandido que surge das brumas de um passado tenebroso para se vingar de ofensa cometida e dos familiares que foram deixados para trás, a quem se pede auxilio em altura de desespero, como se preencher os pontos de uma checklist se tratasse. Por isso, fico também, muito surpreendida com a comoção em torno de Furie. Se a relativamente nova fama de Ngo atrair as atenções para o cinema vietnamita tanto melhor mas, não se enganem pensando que Furie constituirá uma obra superior. Duas estrelas e meia.


Realizador: Le-Van Kiet
Argumento: Kay Nguyen
Veronica Ngo como Hai Phuong
Mai Cát Vi como Mai
Thanh Nhien Phan como Capitã Vu Trong Luong
Pham Anh Khoa como Truc
Kim Long Thach como Huy
Khanh Ngoc Mai como Ngoc
Hoa Thanh como Thanh Wolf

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