Tal como aconteceu com tantas outras crianças nascidas em meados dos anos oitenta, as criações do Jim Henson foram um pilar essencial na minha formação e permitiram-me, por exemplo, transformar sons em letras e essas letras em palavras muito antes de iniciar a escolaridade obrigatória.
A bonecada do Jim Henson eram um porto seguro, uma espécie de segunda família com a qual podia aprender tudo o que precisava para singrar nesses primeiros anos como habitante deste bonito planeta azul. Algumas das minhas primeiras (e mais felizes!) recordações audiovisuais envolvem o Cocas, o Gualter, o Becas e o Egas ou o Conde de Kontarr. Mas, como estava prestes a descobrir, nem tudo eram rosas no mundo do Jim Henson.
Não me lembro ao certo quando tive o primeiro contacto com O Cristal Encantado (The Dark Crystal, no original) mas sei que nada me tinha preparado para aquele momento.
O mundo de O Cristal Encantado não é aquela rua castiça onde aprendemos os valores da igualdade e da tolerância e onde o mal não passa de um conceito abstrato. Este é um planeta em ruínas liderado por seres cujo poder está assente na destruição das outras espécies. Aqui não há sinal das criaturas afáveis e coloridas a que a casa Henson nos habitou. Aqui mandam os Skeksis, uma espécie de abutres asquerosos e desprezíveis que se arrastam e grunhem de uma forma que até hoje me faz gelar a espinha.
São várias as cenas protagonizadas pelos Skeksis que me assombraram durante anos e nem é preciso esperar muito.
Logo nos primeiros minutos do filme vemos como o seu líder se desfaz em pó rodeado pelos outros membros do clã que, entre sussurros, aguardam com expetativa o momento perfeito para assumirem o poder, numa cena que lembra a icónica morte do antagonista na primeira aventura do Indiana Jones.
Mas o momento que mais me marcou foi a sequência em que um Podling (umas das espécies que os Skeksis se divertem a maltratar) definha à nossa frente enquanto a sua energia vital é sugada e transformada num elixir que serve como alimento aos Skeksis e os ajuda a perpetuar a sua imortalidade.
No entanto, se este tipo de reação já seria expectável nos “maus da fita”, a verdade é que os “bons da fita” também não me inspiravam muita confiança, embora neste caso a rejeição estivesse mais relacionada com o desenho das personagens do que com as suas motivações. Os Gelflings, com as suas características demasiadas humanas e os seus olhos sem um pingo de vitalidade, caiam em cheio no “vale da estranheza” e a Aughra, com o seu olho “destacável”, era demasiado intimidante para um petiz que só queria que o Poupas aparece a voar a qualquer momento para salvar o dia.
Feitas as contas e passados todos estes anos, O Cristal Encantado é o exemplo perfeito da eficácia das marionetas e dos efeitos especiais orgânicos dos anos 80 à hora de mexer com o nosso subconsciente. Existem, mexem-se e estão realmente lá. São muito mais que zeros e uns sobrepostos num ecrã verde: são o material com que são feitos os sonhos... e os pesadelos.
(O J.B. Martins é sobretudo um indivíduo que fala de cinema na internet. Começou com um blogue, no longínquo ano de 2003, mas de há uns tempos para cá pode ser acompanhado no YouTube através do canal CINEBLOG)
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