domingo, 5 de fevereiro de 2012

"Loft" (Rofuto, 2005)

O termo técnico que melhor descreve “Loft” é seca descomunal. Não, não é uma expressão comumente utilizada pelos críticos de cinema mas, e daí, não me considero uma crítica. Perco-me de paixão pelas narrativas cerebrais tão singulares que só podem ser made in asia. Mas por vezes exageram. Tal como um Shion Sono, de que não sou a maior fã, Kiyoshi Kurosawa brinca com as emoções da audiência, testando-a até ao limite, ainda que seja, estranhamente, mais comedido que Sono. Enquanto o primeiro quebra as regras todas e leva a audiência, desde os primeiros segundos de película na sua trip tão própria, Kurosawa é um grande mentiroso. Ele embala a audiência na aventura da sua mente, fazendo-a pensar que o que vai ver é mais uma obra simples e inofensiva, quando na verdade se está a preparar para embarcar em mais uma peça estranha, confusa, extenuante e aborrecida. O seguidor mais fervoroso do K.K. verá “Loft” como a evolução natural do autor, um brilharete, na sua suposição tão parcial. Quem não o conhece, ficará no mínimo, a coçar a cabeça. Foi a isto que o cinema japonês se reduziu? A resposta é dúbia: sim e não. A indústria cinematográfica japonesa permite-se obras de autor, singularidades no meio do que se produz para as massas. Isto, não significa que o K.K. seja consensual. Pelo menos, os seus filmes conferem-lhe o título de “realizador de culto” que eu adoro, visto que nunca percebi muito bem o que é isso de culto…
Reiko Hatuna (Miki Nakatani) é uma escritora sofrendo de bloqueio de escritor, que é pressionada pelo editor Koichi Kijima (Hidetoshi Nishijima) a isolar-se numa vivenda isolada até finalizar o mais recente romance. Lá, Reiko perde-se mais em passeios pelo bosque e a percorrer os longos corredores da vivenda do que na escrita. Um dia, Reiko espreita pela janela o seu vizinho Yoshioka (Toyokawa Etsushi) a segurar o que parece ser um cadáver e decide investigar… Kurosawa podia ter adoptado a rota de “Rearview Window” (1954) mas decidiu não seguir esse caminho. Ao que parece também existe a maldição de uma múmia com uma milena de anos, (solução demasiado fácil talvez) e a vivenda ocupada por Reiko estará assombrada pelo fantasma da sua habitante anterior. Algures, Reiko e Yoshioka descobrem que sentem uma inclinação romântica um pelo outro. Para quê optar por uma via quando se podem seguir todas elas? Entretanto, a actriz principal se não é uma grande incógnita deixa, pelo menos, uma pequena incerteza. Dificilmente teriam escolhido uma actriz mais apática, formada com distinção na escola de actores de Keanu Reeves. A face dela diz tudo: absolutamente nada. Ajuda a que o romance improvável com Yoshioka soe a uma farsa. Devo dizer que quando começou a troca de palavras delicodoces entre os dois, alternei entre um súbito desconforto na cadeira e o risinho involuntário. Num filme de registo semi-dramático, pseudo-terrífico, os momentos involuntariamente hilariantes não assentam bem. A película encaixa perfeitamente no género J-horror, ou não fosse K.K um percursor do género. No entanto, e ao contrário dos seus conterrâneos menos cerebrais, K.K. escolhe um ritmo deliberadamente lento, demasiado até, que se por vezes vinga na produção de sustos, por outro, adormece os sentidos de tal modo que os eventos se sucedem sem grande efeito no espectador. Quando se chega a um terço do filme, o efeito soporífero já há muito se instalou e a vontade de ver o final é mais uma questão de teimosia e persistência do que a curiosidade de saber que surpresa nos aguarda.
Os planos são ostensivamente focados em Reiko. Ela, a escritora, apática, fumadora inveterada, que sofre de uma maleita qualquer e que por fim, até é capaz de nutrir sentimentos de afeição por outro ser humano. Só me choca como uma mulher com todos os argumentos a seu favor para se revelar uma mulher determinada, cosmopolita e sofisticada se demonstra tão… simplória. Se algo se pode dizer do argumento é que tem muitas ideias. Kurosawa mostra-se inventivo é verdade mas incapaz de editar. Suponho que todas as ideias que alguma vez teve foram parar ao produto final. Claro que poucas dessas ideias foram concretizadas e ainda menos tiveram direito a um bom tratamento. Quando se fala em cinema de autor, a mais pequena crítica certamente, soará a uma tentativa mais ou menos velada da indústria de o censurar, de o tentar comprar até. Significa pois que a crítica se perde no vácuo. Se nada há de bom a dizer não se diga nada. Assim, Kurosawa continuará a fazer o que bem lhe apetecer, pelo menos, enquanto mantiver a legião de fãs acérrimos. Uma estrela.
Realização: Kiyoshi Kurosawa
Argumento: Kiyoshi Kurosawa
Miki Nakatani como Reiko Hatuna
Toyokawa Etsushi como Yoshioka
Hidetoshi Nishijima como Koichi Kijima

Próximo Filme: "Where got Ghost" (Xia dao xiao, 2009)

3 comentários:

  1. Muito bom. Tive a oportunidade de ver esta 'pérola' numa das edições do Indie Lisboa e foi das piores coisinhas que vi nas várias edições do festival. Apesar de já não me lembrar muito do filme (tais foram as recordações que me ficaram dessa sessão...), a opinião na altura não deve ter sido muito diferente desta.

    Cumprimentos :)

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  2. A sério?! Eu... Aluguei. Pois, não gostei mesmo nada: lenta, uma acção que é não-acção, uma actriz principal apática. Enfim, é um filme sem estória!

    Beijinhos,
    FilmPuff

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  3. Sim, já não me lembro foi em que edição o vi, mas posso ir à procura, é fácil de encontrar.

    (spoiler)

    Eu só me lembro particularmente de uma cena em que a senhora está no quarto, alguém atira uma pedra e parte a janela e a senhora muito calmamente, como se não pertencesse aquele filme, vai acender um cigarro. Foi risota geral na sala, vá-se lá saber porquê...não deixou de ser uma experiência engraçada :)

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