Dois Homens, um cadáver. Podia ter saído de um daqueles vídeos esquisitos que circulam por aí mas revela-se afinal uma das películas de terror mais competentes de 2016. Uma morgue, cadáveres engavetados, uma família a recuperar ainda de uma tragédia pessoal e o corpo de uma jovem cuja mera existência é um anacronismo é tudo quanto basta para uma das experiências mais marcantes do género do ano.
Tommy (Brian Cox) e Austin Tilden (Emile Hirsch) são a dupla de pai e filho médicos-legistas, mais competentes do ramo. Tommy vive para o trabalho. Pouco existe que ele não tenha visto e têm ainda bastantes truques para ensinar ao talentoso filho. Já Austin é um apaixonado pelo “negócio” de família mas não se quer deixar consumir por ele. Pensa numa vida além da morgue e esta encontra-se em Emma (Ophelia Lovibond). Mas enquanto não encontra coragem para deixar o desgostoso pai aprender a lidar com as agruras da vida, dedica-se aos mistérios do corpo. Eles encontram o maior de todos em “Jane Doe” (Olwen Catherine Kelly), o cadáver de jovem desconhecida, encontrado pelo familiar Xerife Sheldon (Michael McElhatton) na cena de um massacre que envolve várias caras conhecidas da região.
O prazo é apertado. Numa noite terão de descobrir a causa da morte da desconhecida e a sua ligação às outras mortes mas em como tudo o resto em Jane, ela é um elemento estranho. Tudo na sua presença indica não se encaixar na sequência de eventos. O corpo não aparenta sinais de violência ou… de qualquer outra coisa na verdade. De que é que morreu a desconhecida?
“The Autopsy of Jane Doe” pertence à ainda curta carreira de André Ovredal, realizador norueguês que se notabilizou com uma das raras boas incursões no género de found footage (“Blair Witch” é uma treta cof, cof) com “Trollhunter” que ademais foi beber à própria mitologia do seu país. No entanto, ninguém o pode acusar de amadorismo. “The Autopsy of Jane Doe” parece um dos melhores episódios de "CSI" com uns resquícios de “Six Feet Under” em formato longa-metragem. É impossível não ficar absorvido pela dupla Cox/Hirsch enquanto esta retalha o corpo de Jane, ao mesmo tempo que levanta as hipóteses mais fantásticas e pavorosas. A abordagem fria e clínica da dupla não afugenta, antes torna as actuações mais realistas. Por seu turno, sem dizer nada, a linda e misteriosa Jane Doe marca o tom cada vez mais sinistro do filme. Sem nada dizer ou mover-se – o cadáver! –, comanda o filme. Um excelente exercício de body horror, mas sem o sensacionalismo de outros. A empurrar a narrativa está a sua investigação. A cada novo indício do que poderá ter sucedido, surge uma nova pista desconcertante para o ultra experiente Tommy e o mais novo mas não menos perspicaz Austin. Entretanto, começam a suceder episódios insólitos na cave onde se encontram e que parecem querer indicar que os factos são bem mais complexos e perversos do que se podia à partida supor. Na verdade o contínuo enfoque em Jane Doe traz mais perguntas que respostas. Este enfase não é voyeurista. Pelo menos não numa perspectiva sexual, a despeito de Jane ser belíssima. A obsessão é clínica, como a de um médico que procura de modo furioso descobrir a causa da maleita de um seu doente. A dada altura “Jane Doe” muda para uma direção não totalmente inesperada mas porventura desnecessária, ainda assim competente. No entanto, se o espectador decide prosseguir com o visionamento confiante ou ficar indignado esta é uma decisão subjectiva. Brian Cox e Emile Hirsch continuam tão convincentes, enquanto mentes inquisitivas e na relação de pai e filho, enquanto o mundo à sua volta ameaça ruir. A despeito de na última metade de “The Autopsy of Jane Doe” existir uma mudança precipitada de direção, a primeira parte é tão impactante que não é possível não permanecer fascinado por este novo estranho monstro recriado por Ovredal. Quatro estrelas.
Realização: André Øvredal
Argumento: Ian B. Goldberg e Richard Naing
Emile Hirsch como Austin Tilden
Brian Cox como Tommy Tilden
Ophelia Lovibond como Emma
Michael McElhatton como Xerife Sheldon
Olwen Catherine Kelly como Jane Doe
Jane Perry como Tenente Wade
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