domingo, 5 de março de 2017

"The Handmaiden" (Agassi, 2016)


Chan-wook Park, realizador de filmes tão brilhantes e brutais como a trilogia da Vingança (2002-2005), um dos melhores segmentos da antologia de terror “Three… Extremes” (2004) ou ainda o injustamente ignorado “Snowpiercer” (2013) ainda não encontrou um desafio que não pudesse superar. Desta feita adaptou um romance gótico-vitoriano “Fingersmith” de Sarah Waters escrito em 2002 e transportou-o para a Coreia dos anos 40, ocupada pelo invasor Japão. Tanto quanto me foi dado a perceber (obrigada Google!), a essência e a motivação das personagens permanece a mesma contudo, elas seguem o rumo que Chan-wook Park lhes quis dar. Este thriller erótico-dramático foi escrito por uma romancista mas as personagens são tão familiares, tão intrinsecamente ligadas à obra de Chan-wook que quem não saiba dirá com facilidade que “The Handmaiden” é 100% fruto do seu imaginário.


Hideko (Min-hee Kim) é uma órfã japonesa prisioneira numa relação inquietante com Kouzuki (Jin-woong Jo) um coreano que se casou com uma tia dela para ascender socialmente e usufruir do dinheiro da herdeira para dar azo à sua derradeira paixão: a literatura. A fortuna da jovem japonesa capta as atenções de um vigarista que se apresenta como um Conde Fujiwara (Jung-woo Ha) tomado de ardores de amor e paixão, herói que a irá resgatar da clausura. Para tal, ele capta a ajuda da pequena ladra Sok-hee (Tae-ri Kim), uma servente que deverá influenciar e colocar Hideko no caminho do sedutor.
Um plano que parecia simples complexifica-se quando Hideko e Sook-hee forjam uma forte ligação. Elas são mais iguais do que seria expectável. Presas às circunstâncias do nascimento, elas parecem fadadas à impossibilidade de escapar aos destinos que lhes foram prescritos há muito, muito tempo. Por dinheiro, ambas são joguetes nas mãos dos homens. Até que surge num plano maquiavélico uma hipótese derradeira de liberdade. As relações entre as personagens são intrincadas e a duplicidade é uma constante. Esta percepção do estado de coisas e das relações entre personagens instala-se pela apresentação de uma narrativa menos comum, divida em capítulos, como se tratasse do livro que lhe deu origem. Cada capítulo é apresentado do ponto de vista das diversas personagens e gera-se mesmo o efeito “Rashômon” até que os motivos são desvelados e confrontados para uma verdade dos “factos” sobressair.

“The Handmaiden” é vastamente superior a muitos equivalentes do género e sim, o recente “Crimson Peak” (2015) vem à mente. As representações do quarteto principal são todas dignas de prémios e a acção move-se devagar, à excepção da última meia hora mas em momento algum se torna insípida como a abordagem de Del Toro. Aqui há beleza à superfície e em profundidade. A cinematografia é esplêndida, o que é aliás comum nos filmes de Park Chan-wook. Existe um forte sentido de transmissão das ideias de clausura física e das barreiras psicológicas que separam as personagens. Sobretudo a relação entre Sook-hee e Hideko é explorada de modo hábil pela câmara curiosa, intrusa, em todos os pequenos momentos, mesmo aqueles em que duas mulheres cúmplices se encontram a brincar aos vestidos. Momentos de comédia transitam para outros de elevada tensão com uma fluidez natural. Por outro lado, existem ainda pequenos momentos de homenagem e referência a trabalhos anteriores, designadamente, uma cena de tortura reminiscente do segmento “Cut” em “Three Extremes” e “Oldboy”. “The Handmaiden” é ainda um thriller erótico com cenas capazes de fazer corar o cinéfilo mais liberal. A despeito do cuidado na direção destas sequências estas prolongam-se sem necessidade, fazendo com que a película perca o ritmo, ou quebre mesmo alguma tensão que lhe antecedeu. Talvez seja este o mal menor num filme onde as personagens são tão violentadas que algo que se assemelhe a um breve momento de prazer saiba a uma pequena recompensa. Quatro estrelas.

Realização: Chan-wook Park
Argumento: Seo-kyeong Jeong e Chan-wook Park
Min-hee Kim como Hideko
Tae-ri Kim como Sook-Hee
Jung-woo Ha como Conde Fujiwara
Jin-woong Jo como Tio Kouzuki
Hae-suk Kim como Miss Sasaki
So-ri Moon como Tia de Hideko

Próximo Filme: "House" (Hausu, 1977)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...