domingo, 22 de abril de 2018

The Eyes of my Mother, 2016


Francisca (Olivia Bond) vive no campo com o pai (Paul Nazak) e a mãe (Diana Agostini). Bastante mais velhos, eles parecem ter tido a menina fora de tempo, quase como se não esperassem já ter filhos. A mãe tinha sido cirurgiã em Portugal. A dada altura decidiu mudar-se para o mundo rural na sua vertente mais solitária na América profunda. Ataca os problemas dos animais com a mesma abordagem clínica com que tratava os seus doentes e não se escuda de o fazer diante da filha. Francisco tem o conhecimento de coisas como o interior do olho humano ou como decapitar uma vaca, detalhes seriam mórbidos e desadequados para qualquer criança. Um dia Charlie (Will Brill), um forasteiro bate à porta da sua casa isolada e assassina de forma brutal a mãe de Francisca. O pai depara-se com o cenário macabro ainda a desenrolar-se e espanca e acorrenta Charlie no celeiro. Francisca traumatizada, curiosa e sem o calor de um pai cada vez mais desconectado e incapaz de lhe mostrar o mundo, refugia-se no que aprendeu com a mãe pelos seus olhos de criança e inicia a experimentação no prisioneiro.

“The Eyes of my mother” é uma longa-metragem de parcos 79 minutos, a preto e branco, dividida em três capítulos: “Mãe”, “Pai” e “Família”. O primeiro capítulo é o mais importante para a formação de Francisca. Entre o amor da mãe que é a sua única fonte de carinho e os ensinamentos desta que incluem a prática clínica e a religiosidade e o ataque sociopata de que esta é alvo, o interior de Francisca é fraturado. Não é como se ela não pudesse já sofrer de tendências para a sociopatia mas não é como se assistir a um crime fizesse por mitigar um desequilíbrio já presente. Ela aborda a morte com uma abordagem clínica, movida por uma psique infantil. Por outro lado, o “Pai”, como evidenciado nesse capítulo, é uma figura presente apenas na forma física. O trauma afectou-o – prender o criminoso à sua sorte, ao invés de chamar a polícia não é o comportamento mais ajustado e deixar que a filha interaja e da forma como o faz com Charlie, revela no mínimo uma atitude displicente – mas a sua mente prefere esquecer o que sucedeu por completo, deixando a menina, para todos os efeitos, órfã de mãe e de pai. Francisca, na sua versão adulta, interpretada pela portuguesa Kika Magalhães sente uma profunda solidão que a faz querer conectar-se com outros seres a todo o custo, constituir uma “Família”, que a faz agarrar-se ao que tem mais perto de si: o assassino prisioneiro e as memórias de uma mãe amada que estão intimamente ligadas à morte e que nunca conseguiu processar de forma saudável.

Kika Magalhães, na sequência de uma Olivia Bond já de si perturbadora, está excelente. Ela imprime uma vulnerabilidade tal na sua Francisca, que as atitudes mais horrendas e que se vão intensificando até ao final anticlimático, desde a frieza do assassinato à impossibilidade de renunciar às suas vítimas já depois de falecidas ou um comportamento sexual desviante são, em certa medida “perdoadas”. Francisca nunca amadureceu em termos psicológicos. A consciência do que é o bem e o mal e do que é socialmente aceitável está danificada de forma irremediável, mas ela nunca demonstra ser motivada por maldade, apenas solidão. É triste e patética antes de temível ou sádica e no entanto, é todas essas coisas. A esplêndida palete de cores – a película está filmada a preto e branco – acentua a solidão e a confusão que se instala no estado mental de Francisca à medida que esta cresce. Teria sido interessante ter visto a psique de Kika desafiada e o seu comportamento desconstruído e nem sempre é credível a forma como Francisca consegue deixar provocar várias vítimas tendo uma aparência tão frágil. Ainda assim, desconcertante, “The Eyes of My Mother” assemelha-se em aparência talvez à obra de um Hitchcock mas a sensibilidade que a inspira pode ser mais rapidamente encontrada no brutal cinema de terror francês. Isto, sem mostrar uma gota de sangue vermelho. Três estrelas.
Realização: Nicolas Pesce
Argumento: Nicolas Pesce
Kika Magalhães como Francisca
Diana Agostini como Mãe
Paul Nazak como PaiOlivia Bond como jovem Francisca
Will Brill como Charlie
Joey Curtis-Green como António
Flora Diaz como Lucy
Clara Wong como Kimiko

Próximo Filme: "A silent voice" (Koe no Katachi, 2016)

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