terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Top 10 Filmes 2020 - Parte I


Quem me visita há alguns anos sabe que não tenho por hábito fazer tops anuais, apesar de ser fã de listas. É uma forma sempre interessante de organizar informação e descobrir novos filmes mas pouco mais. Os filmes que colocamos no topo hoje, podem não ser os mesmos amanhã. Como tal, tenho sempre receio de dizer que são os melhores do ano. Mas este foi um ano atípico e anos atípicos exigem respostas diferentes. Assim, aqui fica, sem mais demoras, a 1.ª parte dos meus filmes favoritos de 2020:


1) A história de uma irmã

"Gretel & Hansel"

Grimm e Perkins são no papel e na execução uma combinação de sonho. Pode ter sido uma abordagem tímida e subtil mas 2020 foi o ano dos filmes sobre mulheres. Depois do #metoo expôr o sexismo e hipocrisia que permeiam toda a existência dos géneros, era uma questão de tempo até o cinema enveredar por um caminho que já tardava. De um “The Invisible Man”, a “The Assistant”, passando por uma “Wonder Woman 1984” – não sem a sua dose de polémica –, em 2020 a histórias das mulheres tiveram primazia.Porque haveria Hansel de ser o personagem principal? Perkins transpõe a carga pesada que todos os seus filmes corajosamente envergam, para um conto de crianças que já quase não o são e as bruxas que os acossam, num festim lindo para a vista e perturbador para a mente. Sofia Lillis é uma Gretel recém agraciada pela puberdade que tenta fugir por todos os meios à penúria e aos maus-tratos que esta traz, para si e para o irmão criançola e desatento, sem ter de se acormodar ou perder a sua identidade. Num tempo que não se sabe muito bem quando é mas é bem evocativa dos horrores de uma idade média e das suas superstições, acompanhamos os dois irmãos à medida que navegam de poiso em poiso, à deriva, até cairem nas garras da demasiado amistosa para ser real Holda (Alice Krige). Gretel conta apenas com o espírito inquisidor permanente e o ardor de sobrevivência para escapar a um terrível destino. Os sintetizadores e um design de produção com laivos de inspiração art-deco, ainda ajudam mais à sensação de anacronismo e surrealidade. Um dos momentos cinematográficos mais intrigantes do ano. Para mais notas sobre este filme podem acompanhar o meu contributo para o podcast Segundo Take, no qual se faz o balanço de 2020, com vários bloggers e podcasters convidados.


2) Borat torna-se pai!

"Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan"

Este Borat reune várias distinções: é o 2.º na minha lista pessoal, é uma boa segunda sequela e o título mais maior grande a largas milhas de distância dos outros filmes que enumero e, cujo título, desafio a que enumerem em voz alta sem ir consultar a Wikipedia. A sequela é, também, o que poucos esperavam de Sacha Baron Cohen, neste ano para ele, a todos os níveis extraordinário, tendo surgido num registo tonalmente diferente mas em nada inferior em “The Trial of the Chicago 7”, depois de um marcado por um atroz Grimsby entre outros papéis histriónicos ou esquecíveis. Que ninguém me interprete mal, eu repito e subscrevo todos os elogios rasgados à novata Maria Bakalova que é quem brilha mais alto no final. No entanto, onde o primeiro Borat exigia atenção e o fazia do modo mais exuberante possível, aqui temos um personagem mais maduro e consciente do seu impacto. O Borat do trikini verde, imagem que marcou indelevelmente a carreira de Cohen subsiste mas não se importa de ceder o seu lugar no palco de vez em quando. A sequela tem no seu núcleo o tema universal da relação entre um pai e a sua filha, na sua forma tão própria de o demonstrar, ainda que a crítica à hipocrisia implícita e manifesta das políticas norte-americanas sejam o alvo do escárnio. A pandemia Covid-19, os padrões absurdos de beleza, o conservadorismo, o consumismo desenfreado, encontram todos, de forma natural o seu lugar neste filme. Sem esforço.


3) Filho de Peixe sabe Nadar

"Possessor"

Possessor" é tudo o que se pode ansiar de um Cronenberg se bem que num registo mais contido. Entenda-se que sexo, violência explícita e a fusão homem-máquina, se mantém temas transversais muito vívidos e presentes. Onde o pai deixa a imaginação ir aos píncaros, Brandon parece saber editar. Sem dúvida que o filho também opera no negócio da densidade mas não o faz de modo que o conteúdo se torne indistinguível e frustrante. Em “Possessor” explora os caminhos da identididade de como pode ser tão fácil perdê-la, se já estiver fracturada, quando se forma uma ligação simbiótica com a tecnologia. Andrea Riseborough está irreconhecível no papel de uma Tassia Vos que faz de assassina por uns dias e depois regressa à aborrecida rotina de mãe e esposa de seres humanos que lhe estão cada vez mais distantes. Ela é quase como um peixe fora de água, a lutar contra o inevitável e aos poucos sufocar. Vos entra sem ser convidada nos corpos de pessoas e actua como uma hóspede insidiosa forçando-os a matar os alvos que lhe são assinalados pela chefe Girder, interpretada por uma Jennifer Jason Leigh cada vez mais lacónica e arrepiante. É uma questão de tempo até perder o controlo. Christopher Abbott, um sósia do Kit Harington mas em bom actor, interpreta a personagem que vai levar Tasia aos limites ao recusar-se domar por ela. A questão que se coloca a Vos e ao pública é se que cada vez que termina um trabalho, ela perde mais um pouco a sua humanidade e é mais a máquina assassina ou se será o contrário e a assassina é que constitui a sua verdadeira identidade. 


4) Deploráveis para que vos quero

“The Hunt”

Foi adiado por coincidir com o infeliz timing de tiroteios em solo norte-americano. Os testes de audiência terão revelado algum desconforto com os contornos políticos da mensagem do filme. Enfim, o Agente Laranja, com certamente pouco que fazer na presidência dos EUA naquele dia, fez uma publicação no Twitter que acusava as elites de Hollywood de troçar com a sua base de apoio. O sucesso não lhe estava destinado. Todas estas peripécias extra filme captaram a minha atenção e a percepção com que fiquei é que a iliteracia é um problema sério. A ironia patente em “The Hunt” nem é assim tão fina. Mostra uma certa elite que se considera superior a caçar humanos, o que por si só, já desmontra o seu argumento. Os caçados são na sua parte pessoas com pouca educação, pouco inteligentes e a quem faltam algumas qualidades inerentes à formação de um bom carácter. Ninguém fica exactamente bem na fotografia. Os argumentistas podiam ter ainda ido um pouco mais longe para enfurecer os deploráveis – recuso-me a empregar aquela hashtag -, mas os caçadores são tão humanos, imperfeitos e hediondos como visualizam as suas presas. O gore e o facto de ninguém estar livre de uma morte se não horrenda, cómica, como uma Emma Roberts que é despachada num instante, são outros motivos de interesse além da componente política. Equipa Schadenfreude me assumo! “The Hunt” também nos traz o melhor confronto feminino de 2020. Que me perdoem os fãs da Wonder Woman mas a luta com a Cheetah é do mais meh que há. Não não, vejam mais é a Hillary Swank no papel de liberal insuportável que enfrenta uma Betty Gilpin como uma sulista lacónica que não está ali para acatar a bestialidade para que foi arrastada. Esquerdalha vs. Direitolas? Amo.


5) Lovecraft Submerso

“Underwater”

Há uma boa meia dúzia de anos cometi o erro de ver 15 minutos de “Twilight”. Foi uma experiência transformadora. Decidi então que a Kristin Stewart era a pior actriz em exercício da sua geração. O Stress Pós-Traumático dita que continue a não gostar dela mas cá estamos. Ela é a heroína de ação que não sabia que precisava. Ela é pequena, franzina, diminuta, mas os acontecimentos impelem-na para a ação quando a estação de pesquisa em que trabalha é abalada por um terramoto. Onde outros entram em pânico ou desesperam ela age, mesmo que não esteja assim tão certa de querer sobreviver. A ação é rápida e não pára, traduzindo a sensação de emergência que a destruição iminente do ambiente onde os personagens se encontram evoca. Não há tempo para descansar, para reflexões filosofias, planos demasiado arriscados. É tempo de reacção. Onde “Underwater” me perde é nas profundezas. Há momentos em que é impossível perceber o que se passa debaixo de água, de tão escura que é a imagem e que me deixou tentada a carregar no “pause”. É certo que falamos das trevas do oceano. No entanto, não custava muito inserir algum iluminação adicional, da própria plataforma para se discernir alguma da ação.  É uma miscelânea de terror claustrofóbico como um “The Descent”, com aquele que todos tentam emular, “Alien”, sem ter sucesso na totalidade. Contudo, revela-se um exercício interessante e que gostaria de ver replicado no futuro. Num ano em que o terror interior foi rei esperava um pouco mais que elevasse “Underwater” com as suas criaturas Lovecraftianas aos alturas dos melhores creature movies.



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