sábado, 9 de janeiro de 2021

Top 10 Filmes 2020 - Parte II

A primeira parte pode ser consultada aqui

6) O dia em que as pessoas começaram a Explodir!

“Spontaneous”

E se um dia os teus colegas de turma começassem, de súbito, a explodir? Qual seria a tua reacção? A resposta óbvia é fazer o que Mara (Katherine Langford) e os seus colegas tentam, a custo, fazer: viver. Para adolescentes, isto é, aquela fase estranha do desenvolvimento, sobreviver por si só, pode já ser uma realidade penosa. Sem as explosões espontâneas, eles têm de lidar com o tão temido acne, passar pela tentação do sexo, drogas e álcool, passando pela construção de uma imagem corporal saudável, as sempre complicadas relações amorosas e o fazer e desfazer de amizades, além do constante questionamento identitário. Parece pouco? Da confusão inicial, emerge Dylan (Charlie Plummer), um colega de turma a quem Mara nunca prestou atenção, a confessar com leveza a sua paixão por ela. Podem morrer em qualquer altura por isso, mais vale admitir os seus sentimentos. Ela retribui, sabendo, de antemão, que têm um alvo sobre as suas cabeças e que podem ser a próxima vítima da estranha maldição que se abateu sobre a turma. Assim, o que começa num registo de comédia de terror evolui para uma comédia romântica dramática. Há mil e uma formas de explorar as dores de crescimento. A explosão aleatória e espontânea de corpos humanos é apenas mais uma! E, neste caso, resulta na perfeição. “Spontaneous” trilha o caminho do luto e a espiral de decadência a que tal pode conduzir: se é dificil um adulto sair do outro lado intacto, imaginem malta que ainda está nos seus anos formativos e a adquirir mecanismos para lidar com a vida, as pessoas que almejam ser e as inevitáveis ilusões e desilusões que lhes surgem no caminho. Langford e Plummer têm desempenhos sólidos e credíveis. As suas personagem são espirituosas, atrevidas e rebeldes da forma que os verdadeiros adolescentes são mas sem nunca se tornar irritantes, como num argumento da Diablo Cody. Sem tom moralista, uma mensagem implícita a extraír deste “Spontaneous” pode ser “Carpe Diem”. 


7) O dia repete-se. 

“Palm Springs”

Deve haver qualquer coisa de irónico, uma piada cósmica diria, com o lançamento de um filme sobre reviver o mesmo dia, todos os dias, num loop infinito, numa altura em que meio mundo se encontrava fechado em casa à conta de uma pandemia, a descobrir quão aborrecidas são as novas rotinas. “Palm Springs” é um foco de luz no meio da escuridão. Um dos bons filmes que têm saído nos últimos anos a pegar no conceito e encontrar-lhe novas perspectativas de análise que permitem que esse não se torne, passe a piada, repetitivo. Um deles é o pormenor óbvio de que não é preciso ser-se uma pessoa terrível para lhe suceder tal destino. Acho que não escapa a ninguém como a vida pode ser injusta. Por outro lado, por que não dar à miséria uma companheira? Andy Samberg encontra-se igual a si próprio no estilo cómico que tão bem se lhe conhece mas é uma Christin Milioti, melancólica, empática e com timing para comédia impecável capaz de fazer concorrência ao companheiro de infortúnio. A sua Sarah que abraça a certeza de ser a ovelha ronhosa da família e embarca na autodestruição é digna da nossa piedade e faz com que queiramos torcer por ela apesar do segredo que carrega, todos os dias, como um fardo. É óbvio que a dupla tem personalidades diferentes e o argumento extrai daí as maiores gargalhadas. É também inequívoco que são almas gémeas que ainda não perceberam que o são. De resto, é na energia trocada entre Samberg e Milioti que reside a alma desta comédia romântica. “Palm Springs” ainda atira alguns conceitos quânticos complicados de última hora que não interessam a ninguém mas também não prejudicam o filme. O que fariam se tivessem todo o tempo do mundo?


8) O que a mente esconde.

“I’m thinking of Ending Things”

Durante algum tempo debati-me com o significado deste filme e se de facto tinha gostado de o ver. O facto de ter permanecido na minha memória venceu a minha hesitação inicial. Que interessa se há uma utilização abundante de citações de autores que não li e o explanar de teorias que não me interessam por aí além? “I’m thinking of Ending Things” é um affair tão intimista e tão pensativo quanto o “Eternal Sunshine of The Spotless Mind”. Embora seja, porventura, um momento menos pessoal e mais solitário por parte de Charlie Kaufman, dado que este filme é, afinal, a adaptação de uma obra literária a que, especulo, não falte em densidade. Acompanhamos um casal que se juntou há pouco tempo, numa viagem à quinta dos pais dele para apresentar a nova namorada. Na viagem, na casa, em cada momento, a jovem e, isto é importante – o nome dela varia conforme a perspectiva –, contempla terminar a relação, mas será mesmo a isso que se refere? O filme dá uma volta para o surreal, quando os pais são apresentados e as situações se tornam embaraçosas e insólitas à medida que vão discorrendo sobre o seu querido menino e os seus feitos. O filme é narrado pela jovem. Entretanto, surge um senhor mais velho, no seu trabalho de limpeza numa escola, enquanto a vida passa por ele. Qual será a ligação? Acho que a ordenação cronológica e a obsessão por encontrar um inicio, meio e fim podem redundar na resposta negativa ao filme. Quem viu as obras anteriores de Kaufman saberá que nada é por acaso e o significado está lá, mesmo que este seja diferente consoante a pessoa que o visionou. O que melhor resulta é a construção do interior, tão complexo, cheio de ego e esperança, aspirações, desejos concretizados e outros que não passam de uma miragem de que a nossa jovem é incorporação viva e o Jesse Plemons é brilhante na encarnação do cansativo Homem aspiracional por que qualquer mulher teria o prazer e a honra de se entregar. Ou assim se quer fazer parecer. 


9) Julgados por um pensamento

“The Trial of the Chicago 7”

Eis a segunda entrada de Sasha Baron Cohen na minha lista de final de ano e num filme também político. Tenho a sensação de que “The Trial of the Chicago 7” passou despercebido, pelo menos quando comparado com “Da 5 Bloods” do Spike Lee. Enquanto um menciona a oposição à Guerra no Vietname pelos olhos de hippies e objetores de consciência, o outro fala da Guerra do Vietname por quem a viveu na pele e os traumas que esta provocou. São ambos profundamente políticos e pertinentes para o momento histórico que atravessamos. Nos anos 70, como neste preciso momento, as questões raciais estão na ordem do dia e a  concretização efetiva de justiça é questionável. Aaron Sorkin conduz um elenco vasto, com uma excelente direção, num dos momentos mais emblemáticos da oposição à Guerra e conta a história das intenções, das tensões, do incidente e do drama em tribunal, como se de um documentário se tratasse. Acompanhei o percurso colada ao ecrã, enquanto me divertia com as liberdades exaltadas na época e o desafio constante dos homens que sabiam estar a ser julgados por motivos políticos revanchistas e me indignei com o despudor com que as forças políticas e o Excelentíssimo Juiz Julius Hoffman demonstrava preconceito para com as suas ideias e lhes negava justiça em cada momento. Apesar das diversas iterações em cinema e documentário, a história nunca me pareceu tão essencial de revisitar como em 2020. A exposição mediática da excessiva prisão de homens não caucasianos, o movimento Black Lives Matter, a ascensão dos supremacistas brancos com o apoio do seu Presidente e do Congresso americano urgiam a que se fizesse uma revisão histórica e perceber que, afinal, os passos dados desde 70 foram tímidos e pouco ou nada fizeram para mudar o status quo. Sorkin conduz os trabalhos com o respeito e a sabedoria que já lhe (re)conhecíamos, ainda que faça sempre um piscar de olhos às suas películas anteriores. Tudo isto para dizer que a história não é dele mas o filme é indelevelmente seu. 


10) O dia repete-se. Novamente.

“Boss Level”

Confesso que não esperava incluir este filme na minha lista de melhores do ano. Raios, nem sequer alguma vez pensei que um filme com o Frank Grillo pudesse alguma vez integrar um top de qualquer coisa com “Melhor”, no título. Ah, e antes que digam que o filme é de 2021, tenham lá paciência que o filme já foi exibido em algumas salas no ano de 2020, portanto, vou recusar sempre essa crítica. Certo é que se alguém me falasse no Grillo para me vender um filme, iria responder com um inequívoco "não" e atirá-lo para o fundo da lista, que é GRANDE. Para mal deste “actor”, para mim será sempre aquele gajo de higiene duvidosa, que transpira machismo e ação chunga por todos os poros do corpo. Não é exactamente uma imagem sexy aqui para a je. Agora, se me falarem no conceito “Groundhog Day”, só irei perguntar a que horas querem que ligue a televisão. Em “Boss Level”, Grillo interpreta um agente de elite reformado que entrenta todos os dias, desde o momento em que acorda, tentativas de assassinato por parte de desconhecidos que o tentam alvejar, fazer explodir ou esquartejar. Porquê? Ele não sabe, mas também ele não é muito esperto. Se calhar tem algo que ver com o trabalho SUPER SECRETO QUE A EX DESENVOLVE NUM LABORATÓRIO OPERADO PELO ULTRA SUSPEITO MEL GIBSON! A esposa é uma Naomi Watts competente mas resignada ao papel de mãe e um Mel Gibson que está em sintonia com o seu Nicholas Cage interior e abraçou o facto de fazer todo o tipo de filmes por um cheque e que acabam por ser os papéis mais interessantes da sua carreira. O estilo videojogo, tão em voga e a que “Guns Akimbo” ou um “Free Guy” ainda por estrear se entregam é refrescante quando assumido sem preconceito. Os níveis de jogo, com os respetivos “Boss” over the top e as frases que lançam para o público consciente da piada que se encontram num delicado equílibrio entre a poesia e o azeite, são, no mínimo, um retorno à infância. Foi só um dos filmes mais divertidos e inesperados do ano. Pensem em: “Crank” + “Goundhog Day” + “Street Fighter”.


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