quarta-feira, 14 de março de 2012

"Troll Hunter" (Trolljegeren, 2010)

ATENÇÃO, trailer com spoilers!


Quando o género found footage definha em termos criativos e já não há paciência para fantasmas, monstros, bruxas e demónios eis que surge uma nova esperança sob a forma de um troll. Não é uma comédia nem é anedota. "Troll Hunter” é um filme sobre trolls feios, brutos e maus. 

A Escandinávia alberga um folclore tão rico que dá para alimentar filmes durante algumas décadas. Nenhuma criatura possui tanta magia e ao mesmo tempo foi tão pouco explorada, fora do seu lar, como o troll, essa besta primitiva milenar que habita cavernas, montanhas ou florestas de vegetação alta. Ele só pensa em comer, defecar e dormir. Nestes aspectos, não é muito diferente das outras criaturas do reino animal. Nisto, entra a mitologia, o troll caça durante a noite e dorme durante o dia num qualquer buraco obscuro. Os raios de sol não podem entrar em contacto com a sua pele, caso contrário, transforma-se em pedra. É por isso que as crianças não têm o que temer durante o dia e não se devem aventurar fora de casa após o crepúsculo. A pouca razão do troll possui vai para a sua aversão aos cristãos. O simples farejar de um põe-no doido, fora de si. A crença cristã está além da sua compreensão. É natural que a uma criatura egoísta e, ocasionalmente, devoradora de homens, o sacrífico e a compaixão façam confusão.
A narrativa inicia-se com o aparecimento de um número invulgar de ursos mortos. Um grupo de estudantes universitários suspeita de caça ilegal e decide realizar um documentário sobre o sucedido. A equipa, liderada pelo inquisitivo Thomas (Glenn Erland Tosterud) depressa tropeça numa estória mais interessante do que à partida se podia esperar. Se os ursos estão a ser atacados por um urso de outra espécie, maior, por que é que as feridas contradizem a teoria? Se os animais são o alvo de caçadores ilegais, por que é que estes não levam troféus? E mais estranho ainda, por que andam agentes governamentais a rondar os locais dos ataques? O documentário conhece grandes desenvolvimentos quando os estudantes começam a seguir uma carrinha peculiar que surge com frequência, junto dos cenários de crime. Quando finalmente se acercam do condutor as suas convicções são abaladas. Ele é Hans (Otto Jespersen), um caçador de trolls. Eles existem na Noruega e são eles os autores dos ataques recentes. Os estudantes dividem-se entre a incredulidade e o gracejo. Não deve existir muito mais naquela estória do que uma explicação racional. Um urso perdido com certeza anda a provocar todos aqueles estragos. Provavelmente será melhor regressar à universidade com o pouco crédito que ainda têm, antes de se tornarem a anedota do campus. Então, o excêntrico convida-os para uma caçada de trolls. Apenas Thomas acredita que vale a pena continuar a seguir Hans.
Por estapafúrdia que a ideia da existência de um troll da Noruega seja, esta imagem não é mais irrealista que um pocong indonésio ou um pontianak malaio. Cada região, sua superstição. E “Troll Hunter” é tratado com um cuidado tal, seja pela adaptação do folclore escandinavo e uma atenção aos pormenores elevada, que a narrativa se distancia do absurdo e surge com um mínimo de credibilidade. O caçador é um homem de meia-idade experiente, que vive como um nómada. O seu dever é assegurar que as pessoas desconheçam a existência dos trolls. Por que não? Eles já cá andam há tanto tempo quanto o ser humano e são tão estúpidos que, mantidos à distância, dificilmente causarão algum problema. Mas ele está tão saturado e é tão solitário que estar rodeado de jovens entusiastas é um mal menor. A sua frieza é calculada, um mero artifício para esconder a satisfação de ser seguido, admirado até. Admiramo-lo pois claro. Como não admirar quem vive da caça de uma besta gigante, sem ninguém para o apoiar, sem saber se irá regressar? “Troll Hunter” é humor, sátira e terror num só pacote. Øvredal oferece-nos todas as emoções do terror de uma caçada inesperada, como se de um qualquer animal selvagem e perigoso se tratasse, com a dose certa de humor de casa de banho. Isto, enquanto ridiculariza os crédulos, que acreditam nas estórias que o Governo lhes conta. É o desejo de segurança, de conforto e ignorância consentida que lhe dá, ao Governo, a liberdade de fazer o que ele quiser com a sua liberdade. Podiam ser trolls, podia ser outra coisa qualquer. Em simultâneo, a narrativa não possui grandes soluções. É mais um conjunto de buracos que deixamos passar, por tão entretidos que estamos. Uma linha de alta tensão em círculo? Quem se importa com isso? E como dizia o Mike Soonian do “All Things Horror”, no outro dia, os trolls terão sido criados em imagem gerada por computador, mas fariam um Jim Henson orgulhoso. Não posso concordar mais. Já estou à espera de um found footage sobre fadas. Três estrelas e meia.


Realização: André Ovredal
Argumento: André Ovredal e Havard S. Johansen
Otto Jespersen como Hans (caçador de trolls)
Glen Erland Tosterud como Thomas
Johanna Morck como Johanna
Thomas Alf Larsen como Kalle

Próximo Filme: "Tumbok", 2011

6 comentários:

  1. Sim os Trolls estão qualquer coisa de bestial. O filme tem uma qualidade técnica impressionante.

    Vi-o no motelx, gostei muito. Até porque não é uma mitologia que não é muito abordada. Uma lufada de ar fresco.

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  2. Bela review ao Troll Hunter. Foi um filme que gostei bastante.

    7/10 (Bom) - Da "Noruega", chegou-nos este filme admirável...
    Fresco pela mitologia e o seu conteúdo (os Trolls). Adorei todo o artificio do estilo de filmagens encontradas (de camera ao ombro), que remete a Blair Witch ou Cloverfield ou REC. E é convincente!
    Tenho um top50 dos filmes 2011 e este está lá na lista... tinha de estar!

    "um found footage sobre fadas"... caramba! Isso é que era também!
    Aqui há uns tempos vi um sobre um tipo diferente de fadas, as fairy-changelling da Irlanda e apesar de não ser um filme nada demais eu gostei do que vi e de ser um pouco diferente do que o costume (mas não há monstros e coisas assim... é mais drama e fica o espectador a pensar no que acreditar).
    Falei desse, o THE DAISY CHAIN, aqui: http://armpauloferreira.blogspot.com/2011/10/para-o-hallowen-10-filmes-sobrenaturais.html

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  3. Loot: Gostei precisamente por não cair dentro do mesmo tema.

    Azeitona Rebelde: Ainda bem. Depois diz o que achaste do filme :)

    Arm Paulo Fer: Normalmente não sou muito fã do estilo de filmagem, câmara no ombro, por ser muito frenética, mas neste caso até se "come" bem. Quanto a esse filme de fadas achei interessante. Tenho de pesquisar mais sobre isso. O comentário das fadas é para enfatizar a necessidade de temas novos, novas bestas/seres míticos que nos atraiam de novo para este g´nero de cinema.

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  4. Finalmente vi o filme. É lufada de ar fresco no que diz respeito a "Blair witch projects". Gostei e recomendo para quem gosta do género. Cheguei a pensar por momentos, na cena da ponte, que o caçador iria lá colocar um rebanho inteiro hehehe. O toque "Nenhum Troll foi ferido..." foi a cereja no topo do gelado.

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  5. Sim, esse pormenor foi um toque de génio.

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