Anos depois de versões infindáveis de deslavadas com longos cabelos que ainda não descobriram o poder de um pente, chegou a vez das bestas cornudas que não gostam muito de criancinhas que se portam mal.
Quando o folclore europeu aparenta ter sido profusamente explorado e, Anderson e os irmãos Grimm são referências óbvias, a despeito de nestes residir ainda muito material passível de ser trabalhado pela máquina destruidora de sonhos que é Hollywood, eis que chegou a altura dos contadores de estórias se virarem para outras lendas mais obscuras. E se o “Krampus” é uma figura bem conhecida nos territórios austríacos e germânicos, no remanescente território europeu ele é pouco se não mesmo desconhecido. Ele é a antítese do São Nicolau, mais conhecido pelos miúdos com o Pai Natal, aquele gordo de vermelho que lhes dá prendas todos os anos se eles se tiverem portado bem. Já o Krampus, ele procura os meninos e meninas que se portaram mal e arrasta-os para o inferno consigo… Michael Dougherty, reconhecido por “Trick r’ Treat” que se viria a tornar, com justiça diga-se, um fenómeno de culto em torno do Halloween, ele revela uma apetência para os contos de época focando toda a atenção para o Natal. Se já estão a esfregar as mãos de contentes, porque este é um bom filme para reunir a família em torno de uma mesa recheada de doces de natal e uma lareira quentinha é melhor pensar duas vezes. Dougherty traz uma visão muito negra não recomendável à pequenada e também não é recomendável que os pais usem o filme como munição para obrigar os filhos a portar-se bem durante o resto do ano pelo medo. Isso só faz de vocês cretinos. A boa notícia é que “Krampus” é o melhor filme de terror da época natalícia em muitos anos. Diria mais, "Krampus" inicia-se com aquela que é muito provavelmente a melhor sequência inicial dos últimos anos. E se, por esta altura se estão a questionar por que haveriam de querer juntar-se à volta de um filme de terror durante a época natalícia, é oficial: vocês são uns botas-de-elástico. Vão mas é ver as repetições de “Home Alone” (1990) ou o “The Sound of Music” (1965) pela enésima vez.
No centro de “Krampus” está Max (Emjay Anthony) que se encontra na idade perigosa da pré-adolescência e começa a ganhar uma visão de vida já sem alguma inocência. Por entre uns pais que aparentam já não se amar (Toni Colette e Adam Scott em grande forma), uma irmã que mal dá pela sua existência vivendo para o namorado e o smartphone, tios e primos que parecem existir com o único propósito de o humilhar, Max rasga a carta que escreveu ao Pai Natal e último obstáculo à visita do Krampus. Quando este surge, fá-lo em grande e para estupefacção de todos. Isto é dado muito positivo, pois que Dougherty deixa as regras suficientemente vagas para que a besta possa atacar indiscriminadamente. A apoiá-la estão uns ajudantes, tal como o Pai Natal é apoiado por duendes. No entanto, estes estão mais próximos dos bonecos possuídos por almas demoníacas de um “Poltergeist” (1982) do que uma qualquer encarnação fofinha” da Disney.
Toni Colette e Adam Scott brilham como Sarah e Tom Engel, um casal de classe média que atravessa uma crise no casamento mas tudo faz para manter as aparências perante os filhos e a sociedade (ainda que falhem). Toni prova mais uma vez que é perfeitamente capaz no papel de uma mãe terra-a-terra capaz de superas provas mais complicadas pelos filhos (“About a Boy” 2002, “The Sixth Sense” 1999, etc). Também é visível o esforço de ambos para suportar a irmã de Sarah, Linda (Allison Tohlman) e o marido Howard (David Koechner), assim como à prole insuportável, cujas ideias de educação e diversão, em tudo diferem da forma de ser dos Engel. Eles representam aquela parte da família da qual não se gosta particularmente mas que se tolera a bem do período natalício. Só alguns dias e voltarão a vê-los no próximo ano. Como as coisas não piorassem, eles trazem a tia abelhuda e inconveniente Dorothy (Conchata Ferrell), que através de um expediente manhoso, consegue fazer-se convidar para a seia de natal. O único dado positivo é que ao menos todos a odeiam de igual modo. Dougherty, no papel duplo de argumentista e realizador, dá ainda um piscar de olhos à lenda é através da personagem de Omi, a avó germânica extremosa (Krista Stadler) que servirá como elemento fulcral na exposição dos acontecimentos que escapam à compreensão de todos. Com todas as suas diferenças e divergências, os Engel assemelham-se a uma família real, que se torna mais forte à medida que o Krampus faz das suas. “Krampus” é uma comédia de terror, com contornos negros reminiscentes de um “Gremlins” (1984), desde os pequenos monstros ao cinismo dos anos 80, e representam boas perspectivas para a ainda curta carreira de Michael Dougherty. O que virá a seguir? O peru devorador de homens do Dia de Acção de Graças? Um coelhinho da Páscoa sugador de Almas? Mal posso esperar. Três estrelas.
Realização: Michael Dougherty
Argumento: Todd Casey, Michael Dougherty e Zach Shields
Adam Scott como Tom Engel
Toni Collette como Sarah Engel
David Koechner como Howard
Allison Tolman como Linda
Conchata Ferrell como Tia Dorothy
Emjay Anthony como Max Engel
Stefania LaVie Owen como Beth Engel
Krista Stadler como Omi Engel
Maverick Flack como Howie Júnior
Lolo Owen como Stevie
Queenie Samuel como Jordan
Leith Towers como Derek
Próximo Filme: "Blind Detective" (Man Tam, 2013)