Sabem aquele filme que sempre que dá na TV não conseguem desligar-se e vêem até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas do qual vocês gostam secretamente? Lembram-se daquele velho filme que está gravado em VHS e não conseguem deitar fora? Ou que já viram tanto que a fita até já está meio estragada? Escrevam um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da vossa preferência: o vosso guilty pleasure, sem medos ou censura, um “Pecadilho das Horas Vagas. O confessionário é vosso.
Quando fui convidado para participar nesta rubrica pensei que iria ser fácil. Afinal, o que não faltam para aí são filmes maus pelos quais nutrimos um certo carinho, seja porque razão for. Pois bem, pensei tanto nos primeiros dias que não fui capaz de encontrar um filme que se enquadrasse no conceito de ‘guilty pleasure’ como eu o vejo: um filme daqueles tão maus que só nós é que gostamos deles e somos capazes de o ver milhentas vezes, mesmo que nos expliquem que aquilo não é nada de jeito. Qual foi a dificuldade? Apesar de gostar de ver filmes maus, mesmo sabendo ao que vou, não é daquelas coisas que goste de repetir.
Esta angústia durou até que estava a escrever sobre um filme de um dos meus realizadores preferidos, um senhor chamado John Carpenter. Foi aí que me lembrei que também os grandes mestres têm falhas no currículo, mas para os fãs essas falhas até podem ser bons filmes. Falo de "Fantasmas de Marte", uma espécie de western espacial que é visto por muitos como um dos piores filmes do Carpenter. Confesso que não é dos meus filmes favoritos do realizador, mas gosto de o ver e já tive mesmo a oportunidade de o rever. E voltei a gostar.
Será a história? Um grupo de polícias destacado no planeta Marte que tem de ir a uma colónia buscar um criminoso daqueles bastante perigosos, ou em linguagem chunga, maus como as cobras. Chegados à colónia os agentes reparam que algo está mal quando encontram os tais fantasmas que dão título ao filme. Mais básico e série z não podia ser. Serão as interpretações? Quando temos um vilão interpretado por Ice Cube, que tem tanto jeito como actor como Ed Wood tinha para realizar filmes, está tudo dito. Também não é por aqui que o filme possa valer a pena. Do resto do elenco poucos escapam, incluindo Pam Grier, que Quentin Tarantino tentou recuperar quando fez «Jackie Brown», ou Jason Statham, um dos principais actores de acção da actualidade, aqui num dos seus primeiros papéis de relevo em Hollywood.
O que mais gosto em "Fantasmas de Marte" é precisamente a forma como está filmado. Tudo o resto (e há tanto por onde pegar se formos por aí) é acessório. John Carpenter consegue fazer de um filme que tinha tudo para ser mau, mas que até se vê bem. E nos faz pensar (e, porque não, tremer de medo), pelo menos a mim, o que seria de "Fantasmas de Marte" se na cadeira do realizador estivesse outra pessoa? Ou então, se calhar, o facto de ter o nome do realizador no título ainda produz algum efeito psicológico em quem o vê e torna este filme num dos meus guilty pleasures.
O meu grande agradecimento ao Projeccionista por ter aceite o meu convite e nos revelar o primeiro "pecadilho".
Isto de ter um blogue é muito engraçado. Começa por um ou dois textos, algumas dúvidas iniciais, os primeiros comentários simpáticos, muita persistência e, enfim, o reconhecimento de que este não é apenas um hobby. Faz parte de nós e queremos fazer mais e melhor. Assim, vão nascendo ideias que não param de fervilhar nas nossas mentes inquietas. Uma delas tanto insistiu que acabou por tomar a forma de “Pecadilhos das Horas Vagas”.
Estes pecadilhos são confissões de alguns bloggers de cinema sobre alguns dos seus guilty pleasures preferidos. O objectivo desta rubrica é desconstruir o crítico de cinema até à sua forma mais natural, a pessoa que vê filmes e os aprecia, sem qualquer tipo de racionalidade.
Os “Pecadilhos das Horas Vagas” terão a sua primeira aparição este domingo, dia 24. Vou continuar a contactar alguns bloggers, por isso, não se admirem se, um dia, encontrarem este texto na vossa caixa de correio.
Sabes aquele filme que sempre que dá na TV não consegues desligar-te e o vês até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas tu gostas secretamente? Lembras-te daquele velho filme que está gravado em VHS e não consegues deitar fora? Ou que já viste tanto que a fita até já está meio estragada? É isso... Queria que fizesses um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da tua preferência: o teu guilty pleasure.
Se quiserem juntar a vossa confissão aos “Pecadilhos”, entrem em contacto nos comentários, redes sociais ou enviem um e-mail, com a vossa proposta, identificação e link do blog (se o tiverem).
Existe maior golpe publicitário do que juntar duas das actrizes que mais atraem os espectadores ao cinema? Foi exactamente isso que a Star Entertainment e a Viva Films, duas produtoras filipinas fizeram em 2006, quando juntaram as duas maiores sex symbols do país. Na altura, Anne Curtis e Kristine Hermosa competiam entre si para ver qual das duas era a rainha das bilheteiras até que em 2010, Hermosa se retirou (vamos ver até quando), para se dedicar à família. Como se não bastasse, recrutaram dois cineastas para realizar cada um dos capítulos do filme. O resultado é tão desigual que se não soubéssemos, diríamos que estávamos a ver dois filmes diferentes.
“Lullaby” (Uyuayi)
Melissa (Anne Curtis) é enfermeira no hospital do Anjo da Misericórdia que está envolto em controvérsia. Os pacientes do sexo masculino internados no hospital estão a ser afectados por uma aflição que culmina com a sua morte durante a madrugada. Os órgãos de comunicação social estão obcecados com o evento e James (Marvin Agustin), o namorado jornalista de Melissa, aproveita a oportunidade para conseguir um exclusivo. Contra os desejos de Melissa que suspeita do sempre indisposto Dr. Carl (Raymond Bagatsing) faz-se internar. Todas as noites, às 3 da manhã, o hospital parece entrar numa outra dimensão e Melissa, que está no turno da noite, testemunha fenómenos que a fazem temer por James.
“Mirror” (Salamin)
Rosing (Cherry Pie Picache) muda-se com as duas filhas Angel (Kristine Hermosa) e Nina (Celine Lim) para um velho casarão após o marido a ter trocado pela amante. A penúria obriga-as a mudar-se e a antiga mansão com poucas condições de habitabilidade é o melhor que as suas poupanças podem custear. Um dia, enquanto Angel e a sua irmã mais nova exploram a casa, deparam com um espelho e acidentalmente invocam espíritos. Os dias passam e a somar aos fenómenos paranormais que se apoderaram da casa, elas não se conseguem entender com os homens das suas vidas. Além dos inúmeros problemas existentes irão descobrir que a casa guarda o seu próprio segredo terrível.
Entra o hospital assombrado, tema recorrente e pouco rebuscado. É típica historieta, “escrita de argumentos para totós” ou pelo menos recém-licenciados. Um dos grandes argumentos a favor do terror é o medo da morte. Que lugar mais próximo da morte que um hospital? Filmes de terror ocorridos num hospital não são novidade para as audiências ocidentais, nem sequer para as orientais as quais podem escolher entre muitos outros títulos como “Infection” (2005) e “Haunted Changi” (2010). Felizmente, o primeiro capítulo, realizado por Quark Henares funciona bem por si próprio. Podia ser apresentado em qualquer festival como uma curta-metragem. Se ao menos tivessem ficado por ali… Anne Curtis, a morena de traços regulares mas suaves está perfeita no papel de anjo branco. E Marvin Agustin como jornalista demasiado curioso para ser próprio bem é a contra-parte adequada à suavidade que Curtis transporta para o ecrã. Melhor, só a química entre os dois, que proporciona momentos de descontração e fornece um retrato realista de um parzinho apaixonado. Quark Henares sabe tirar partido do cenário através de longas sequências dos corredores do hospital durante as horas de pouco movimento. Mas o argumento não está isento de problemas. Para começar, um internamento, meus amigos, não é a decisão mais fácil deste mundo. Uma pessoa não é internada por que tem uma dor de barriga e, mesmo assim, levava com uma carrada de medicamentos caros para o bucho e era mandada para casa. Em segundo lugar, nunca se admite a possibilidade de que os acontecimentos têm uma explicação racional. A bem do suspense, seria interessante identificar sugestões de paranóia colectiva, imaginação hiperactiva ou até, sei lá, uma fuga de um gás ou qualquer coisa que pudesse provocar alucinações nos pacientes. Ademais, a morte num hospital não é propriamente de estranhar. E se apenas sucede nos pacientes masculinos… Uma predisposição genética talvez?! Dispensável de todo era o vídeo à la “Ring” (1998) que é mostrado a dada altura e o qual nunca é repescado. Não passa de uma pista errada, de um erro de amador que não está para se chatear ainda que o efeito seja tão perturbador quanto o pretendido. Por fim, e perante a hipótese de um assassino, fica por explorar a sua psique como se de um Jack Torrence se tratasse. A transição é demasiado radical e como tal, pouco impactante.
Por fim, a Hermosa e que fermosa ela é. Beleza etérea, clássica mesmo, uma paixão à primeira vista para a câmara. Pois que a direcção de Sineneng retira partido da sua beleza com close-ups constantes. Um das poucas mais-valias da sua realização. Passamos então do lugar-comum hospital assombrado para a casa assombrada, com menor eficácia. A câmara muda repentina e temo dizê-lo, também a direcção de actores. O que Anne Curtis fez de bem em “Lullaby” como a enfermeira suave é perdido no exagero de “Mirror”, onde passa por todos os tiques irritantes de actriz estreante num filme de terror. O capítulo dirigido por Sineneng dá origem a um final inglório para “Don’t Turn Away”. Desde a câmara mais vulgar ao cenário insipido, introdução de personagens várias que nada fazem para a história avançar e algumas opções de montagem duvidosas. Tenho sérias dúvidas que os realizadores tenham visto o trabalho do outro e que o filme não seja mais do que uma obra remendada. Quando se dá a reviravolta e as pontas soltas são atadas, não é como se não existisse já uma suspeita da verdade. Face à insuficiência do argumento, é difícil não nos questionarmos por que é que o estúdio optou por ter dois realizadores e retirar coesão a um produto já de si deficitário. É um daqueles casos em que as manobras de marketing são mais importantes para a obtenção de receitas de bilheteira do que o incentivo à qualidade do produto. Duas estrelas.
Capítulo #1
Realização: Quark Henares
Argumento: Ricky Lee
Anne Curtis como Melissa
Marvin Agustin como James
Raymond Bagatsing como Dr. Carl
Capítulo #2
Realização: Jerry Lopez Sineneng
Argumento: Ricky Lee
Kristine Hermosa como Angel
Cherry Pie Picache como Rosing
Celine Lim como Nina
Soliman Cruz como Nestor
Anne Curtis como Nina
Marvin Agustin como James
Quero fazer um shout out à malta porreira do Espalha Factos e, em particular, à sua editora de cinema, a Inês Moreira Santos por terem aceite e até encorajado as minhas ideias malucas e me deixarem criar uma nova rubrica sobre um tema improvável: wuxia.
A partir de hoje e sempre às terceiras-feiras, escrevo uma rubrica para o Espalha Factos "Heróis de Outrora, Heróis de Agora". A primeira já lá está e é sobre um "herói", como convém. Para adoçar ainda mais o apetite aqui fica uma apresentação da rubrica:
Wuxia é um género literário e cinematográfico que mistura fantasia e artes marciais. Wu significa “marcial” ou “militar” e xia, significa “honrado” ou “herói”. Com uma origem que se perde no tempo, as histórias Wuxia contam as lendas de guerreiros de artes marciais, que com um grande sentido de honra, muito estudo e supressão dos seus próprios sentimentos em nome de um bem superior, conseguem ultrapassar todas as adversidades. Heróis de Outrora, Heróis de Agora é uma retrospectiva cinematográfica de como o século XXI (2000-2010), foi repescar estas estórias milenares e as actualizou aos dias de hoje, sem desprezar os seus antigos valores.
PS: Não se esqueçam de visitar e comentar pois é o vosso feedback, que nos permite melhorar a cada dia que passa.
Estudar medicina pode ser um simples exercício de memorização até que chega a hora da verdade. Existe aquele momento importante em que se passa da teoria à acção e é solicitado ao estudante que opere sobre a máquina extremamente complexa que é o corpo humano. Mas os melhores só se distinguem dos teóricos quando chega a altura de explorar o corpo humano em carne e osso. Seis alunos formam um grupo improvável: Sun-hwa (Ji-min Han) a rapariga boazinha, o líder natural Ki-beom (Tae-gyeong Oh), a ratinho de biblioteca Eun-joo (Soy), o gordo Kyung-min (Won-joo Moon), a promiscua Ji-yeong (Yoon-seo Cha) e Jung-seok (Joo-wan On) o menino do papá , bem-parecido e com dinheiro como convém. Agora que chegou a altura de separar os incompetentes dos futuros médicos vale tudo. Os mais ambiciosos apontam com a precisão cirúrgica de um profissional os mais fracos e provocam a excisão do tumor. A selecção natural inicia-se na primeira aula de anatomia. O grupo é confrontado com o cadáver de uma bela mulher com a tatuagem de uma rosa no seio. Sun-hwa tem uma sensação estranha quando disseca o cadáver. Compreensível, certo? Eun-joo é a primeira a ceder à pressão e é humilhada pelo Dr. Han (Min-gi Jo), um homem extremamente reputado no seio da comunidade científica. Porque será que todos os grandes professores na universidade são uns estupores inveterados? Requisito de profissão?
Com o aproximar da época de exames aumenta o nervosismo e os alunos recolhem aos dormitórios para se embrenharem nos livros. A faculdade é abalada pela morte brutal de uma aluna na morgue. A polícia inclina-se para a tese de suicídio derivada a intensa pressão à qual os estudantes estão sujeitos. Estes não se sentem seguros visto que as mortes vão-se sucedendo a um ritmo vertiginoso. O grupo de amigos, liderado por Sun-hwa (Ji-min Han) junta-se para investigar o caso e cedo se debruçam sobre o cadáver da aula de anatomia. Estranha causa-efeito mas enfim.
“The Cut” sofre do mal que se abateu sobre o cinema sul-coreano na última década: a repetição a que se junta uma tremenda falta de imaginação. Como se uma primeira ideia tivesse sido preservada em formol, ressequida com a passagem do tempo mas reutilizável. Verifica-se a inexistência de um desejo colectivo no sentido de efectuar um corte profundo no ideário institucionalizado no cinema de terror coreano. Há apontamentos aqui e ali, que fogem ao status quo mas não se preocupem que os estúdios estão atentos e decerto encaminharão os cineastas vindouros para o que fizeram os antecessores e, pasme-se, copiá-los. Há quem lhe chame homenagem, mas dez anos de homenagens parece-me exagero.
No entanto, existe uma cena singular no departamento dos sustos, no primeiro capítulo da película. Tentem imaginar o seguinte cenário: ficarem fechados na morgue sozinhos durante toda a noite. Não é para fracos de coração (acreditem que o trocadilho terá muito mais piada quando se dispuserem a ver o filme). Além disso, o argumento incorre em dois erros graves. A narrativa começa por matar uma das personagens mais empáticas em todo o filme e o nosso grupo de estudantes é demasiado grande. Dois ou três bastavam. Para quê cinco ou seis personagens decorativas com pouca ou nenhuma participação na desmistificação do mistério que vão ser mortas de qualquer modo? Antes uma parelha inteligente e depois centena e meia de mortes. Who cares?
O resto é um filme de terror standard: segredos antigos mal escondidos, diga-se de passagem, uns culpados que não conseguiam ostentar um ar mais menos suspeito mesmo que tentassem e claro, personagens descartáveis ao menor sinal de aborrecimento do enredo. Como não podia deixar de ser e por que os argumentistas coreanos gostam de complicar (que isso é uma coisa boa, atenção), entra-se no thriller sobrenatural com direito a incursão breve e pouco substancial no território da experimentação científica. Não há nada ao nível de um Frankenstein ou de uma ilha do Dr. Moreau. Mas é demasiado pouco, demasiado tarde. Para os fãs de K-horror é mediano. Para os restantes é sofrível. Estão a ver a diferença? Duas estrelas.
Realização: Derek Son
Argumento: Soon-wok Jeon
Ji-min Han como Sun-hwa
Tae-gyeong Oh como Ki-beom
Joo-wan On como Jung-seok
Min-gi Jo como Dr. Han
Soy como Eun-joo
Won-joo Moon como Kyung-min
Yoon-seo Cha como Ji-yeong
Próximo Filme: "Don't turn Away" (Wag Kang Lilingon, 2006)