Sabem aquele filme que sempre que dá na TV não conseguem desligar-se e vêem até ao fim? Aquele filme que todos acham um pouco parvo mas do qual vocês gostam secretamente? Lembram-se daquele velho filme que está gravado em VHS e não conseguem deitar fora? Ou que já viram tanto que a fita até já está meio estragada? Escrevam um texto, não uma crítica, mas uma confissão, sobre um filme da vossa preferência: o vosso guilty pleasure, sem medos ou censura, um “Pecadilho das Horas Vagas. O confessionário é vosso.
Por: João Campos do Viagem a Andrómeda
A Filmpuff pediu-me um texto sobre guilty pleasures no cinema, desafio que aceitei prontamente. O único problema é o seguinte: como é que eu, um fã assumido de mau cinema, posso ter guilty pleasures cinematográficos? Note-se que não falo de filmes maus, como Twilight, mas de maus filmes. E a distinção - inventada neste exacto momento - é relevante. Há filmes maus que são apenas isso - filmes maus, com maus argumentos, maus actores, má fotografia, maus títulos… enfim, percebem a ideia. E há maus filmes que, de tão maus que são, se tornam bons. OK, não exactamente bons, mas, vá lá, interessantes. Veja-se, por exemplo, The Room. Será possível fazer um filme pior que The Room? (Por acaso até é, como Alien vs. Predator nos mostrou, para nosso horror) É difícil superar a pérola realizada, produzida, interpretada e escrita por Tommy Wiseau. No entanto, The Room é um filme imperdível - precisamente por ser tão mau. Admitamos: é preciso um talento extraordinário para fazer algo tão mau sem esforço aparente nesse sentido. Se ainda não viram, esqueçam os blockbusters deste Verão.
E falo de The Room mas poderia muito bem falar de outras pérolas como Troll 2, Pocket Ninjas ou Manos: The Hands of Fate. Não sinto qualquer vergonha por gostar de ver estes filmes. Pelo contrário, tenho até algum orgulho: considerando o risco de hemorragia cerebral, aguentar qualquer um destes filmes na íntegra sem danos cerebrais permanentes é uma proeza quase equivalente a escalar o Kilimanjaro.
Há ainda aqueles filmes que, enfim, deixam muito a desejar mas que são irresistíveis por compensarem com adrenalina e testosterona aquilo que lhes falta em qualidade cinematográfica. Por exemplo, há algumas noites, durante a semana, apanhei o Rambo 3 no Hollywood antes de ir dormir, e acabei por ir para a cama uma hora e meia mais tarde do que o previsto. Missing in Action? Venham eles, que Chuck Norris é sempre high entertainment. Steven Seagall a fazer de cozinheiro após se ter reformado da Delta Force? Porreiro, ele leva a faca, eu levo as pipocas. E os filmes do Van Damme? O argumento é sempre o mesmo, e acabam sempre da mesma maneira - mas é impossível não os ver quando os apanhamos em zapping. É como se as pilhas do comando falhassem de repente, se o dia de Sol radiante rebentasse em aguaceiros e se todas as tarefas domésticas, académicas ou profissionais que tenhamos para fazer se tornem irrelevantes.
Escusado será dizer que aguardo The Expendables 2 com uma ansiedade quase idêntica à de The Dark Knight Rises. Ainda que por motivos diferentes.
Adiante, que a prosa vai longa, e convém passar ao tema deste artigo. De todos os filmes mauzinhos que eu vejo sempre que o apanho na televisão, há um de que gosto especialmente. Não é exactamente um guilty pleasure, pois não me sinto culpado por me divertir à brava a vê-lo, mas considerando o tema, creio ser o mais apropriado: Armageddon. Ponto prévio: detesto o Michael "Explosions! More Explosions" Bay e tudo aquilo que ele representa - a primazia dos efeitos especiais sobre quaisquer outros atributos cinematográficos, nomeadamente as interpretações e o argumento (que, só por acaso, até são os dois elementos mais importantes de um filme), a objectificação da mulher, a destruição metódica de ícones da infância. Não vi nenhum dos seus filmes recentes e não tenciono fazê-lo num futuro próximo, mesmo que o homem continue a mandar sequelas dos Transformers a cada dois anos ou que faça do próximo filme das Tartarugas Ninja um petisco de cágado à lagareiro. No entanto, Armageddon é um filme… especial. Ainda há dias o revi todinho, quando o apanhei a começar numa sessão de zapping. Que maravilha. O filme é lamechas? Sim. Terrivelmente lamechas, com os Aerosmith a tentar roubar a taça de banda sonora mais pirosa da década de 90 à Céline Dion. Centra-se imenso nos efeitos especiais? Sim - basicamente, tudo no filme é um pretexto para explosões, de Paris e Shangai à estação espacial MIR e, claro, ao asteróide que está em rota de colisão com a Terra. O argumento tem mais clichés do que, enfim, um dicionário de clichés? Sim. Há o pai que quer melhor para a filha e não quer que ela case com quem ela quer casar, há o desastre iminente que só os americanos podem salvar, há o comic-relief estrangeiro, há a gaja boa, há o sacrifício, há (por duas vezes!) o momento clássico da bomba detonada ou não detonada no último momento possível, há o momento a puxar a lagriminha, há o voo dos caças norte-americanos quando o vaivém regressa, há a omnipresente bandeira dos EUA… e poderia continuar. Há maus actores? Tem um dos maiores canastrões do cinema actual: Ben Affleck, provavelmente o único homem (excluindo Tommy Wiseau) que faz o Keanu Reeves merecer um Óscar. Claro qeu também há o Bruce Willis, e o Bruce Willis é sempre excelente (o resto do elenco não é mau), mas nem o melhor Willis consegue apagar a nódoa dramática que é Affleck.
Acontece que é justamente aquí que reside o grande enigma de Armageddon: por que carga de água o Bruce Willis se sacrificou para assegurar que Ben Affleck regressava à Terra são e salvo para se alapar à sua filhota? A sério, que raio de pai é aquele? Mais: que raio de Bruce Willis é aquele? O Bruce Willis de Die Hard teria amarrado Ben Affleck ao asteróide e fugido dali antes daquilo rebentar - soltando um sonoro "Yippee-ki-yay, motherfucker", voltando para a Terra para consolar a inconsolável filhota e apresentá-la, sei lá, a um actor a sério (caramba: até o Steve Buscemi servia). Mas não: Armageddon é lamechas, e por isso Willis teve de ficar pendurado num asteróide enquanto Affleck regressava à Terra a pensar nas maminhas da Liv Tyler. Boring.
No fundo, eu acho que continuo a ver o filme na esperança de apanhar um final diferente em que Willis de facto deixe Affleck no asteróide, e resolva dois grandes problemas de uma vez só.
Claro que, lamechices à parte, o filme tem uma coisa digna de nota - e, curiosamente, de nota máxima. Falo, obviamente, do personagem Lev Andropov, interpretado por Peter Stormare. Lev é sem dúvida uma das personagens mais divertidas que já vi em blockbusters medíocres. A sério: desde o momento em que aparece, na estação espacial, e diz num sotaque russo exageradíssimo "I'm not going anywhere" que sabemos estar a preparar-se alguma coisa muito especial, e Stormare não desilude. Da primeira à última cena, Lev Andropov salva Armageddon da destruição total (pun intended) e arranca-nos uma gargalhada com o seu humor deadpan e com a caricatura da sua própria personagem, num franco overacting de Stormare. Basta ver qualquer cena com Lev - são todas excelentes, e enquanto temos o homem no ecrã até conseguimos esquecer o canastrão que invariavelmente surge na cena seguinte.
Em resumo: Armageddon é o filme típico de Michael Bay, e não fosse pelo Lev Andropov - e, vá lá, pelo Bruce Willis -, não mereceria ser visto. Dentro do género de filme catástrofe, há que reconhecer que Deep Impact, do mesmo ano e com um tema parecido, é incomparavelmente superior. No entanto, Armageddon é um dos meus filmes mauzinhos preferidos. Deste, e já que a coisa está na moda, quero remake. Com Affleck pendurado no raio do asteróide, se faz favor.
Mil agradecimentos João. Reafirmo, (desta vez, publicamente), que quando for grande quero escrever como tu!
Ora essa, eu é que agradeço. Escrever sobre este filme foi mais divertido do que escrever sobre clássicos!
ResponderEliminarYou might be onto something there ;)
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