Falar de cinema coreano é fazermos uma associação mental aos nomes óbvios de Ki-duk Kim, Joon-ho Bong, Jee-won Kim e Chan-wook Park. Mas brevemente, mais do que se possa pensar, segundo creio, poderão juntar Hong-jin Na à lista dos melhores realizadores coreanos de sempre. Vou mais longe ainda, Hong-jin Na, com apenas dois filmes no portefólio pode figurar à vontade na lista de melhores realizadores de mistérios/crimes dramáticos ao lado de figuras como Scorsese, Coppola, Hitchcock ou Kurosawa.
Depois da estreia excelente com “The Chaser”, onde um ex-polícia tornado proxeneta enceta uma perseguição letal a um serial killer que escolheu as suas meninas como alvo, Hong-jin troca-nos as voltas e inverte os papéis. Em “The Yellow Sea”, Yun-seok Kim passa de anti-herói a vilão assumido e Jung-woo Ha, o antes vilão brutal torna-se agora um anti-herói.
Desterrado em Yanji, na província de Yabian, um enclave entre a China, Coreia e Rússia onde a maioria da população sobrevive de actividades ilegais e na extrema pobreza, Ga-num (Jung-woo Ha) equilibra o pouco dinheiro que tem entre o táxi e o mah-jong. Com as dívidas a acumular, uma filha pequena e uma mulher que foi para a Coreia do sul vai para seis meses e nunca mais voltou, Ga-num é um homem desesperado. Myun-ga (Yun-seok Kim) precisa de um homem assim e dá-lhe a oportunidade de saldar as suas dívidas. A contrapartida lá está, não é pequena. Jung-woo Ha deverá ir para a Coreia, matar um homem e entregar-lhe o polegar como prova do acto! Ga-num aceita a proposta tendo em vista o final feliz: a reunião com a mulher e uma vida livre de dívidas. Mas o seu percurso será tudo menos fácil. Se os bandidos se dão a grande trabalho para o fazer entrar ilegalmente no país, a partir do momento em que lá está, Ga-num é deixado à sua sorte, com apenas dez dias para cometer o crime. Ah e, já agora, se não fizer aquilo para que foi contratado matam a sua filha e mãe.
Nada é o que parece e Ga-num é rapidamente traído e descartado num país desconhecido. Ga-num é um peão no meio de um jogo perigoso entre Tae-won, o gangster local já estabelecido e um Myun-ga em ascensão que não se coíbe de fazer trabalhos sujos. “The Yellow Sea” é, em tudo visceral, nas lutas corpo-a-corpo, no sexo, nas magníficas sequências de perseguição, nos acidentes rodoviários… E Hong-jin Na obriga o seu personagem a sofrer em todos os aspectos. Note-se a solidão de um imigrante ilegal num país onde mal domina a língua, contido num silêncio forçado já que não tem ninguém com quem falar, nem mesmo existe quem o queira ouvir. É um imigrante chinês de origem coreana, que veio da pobreza e lá pertence. Ga-num não tem lugar numa cidade cosmopolita como Seul. Ele é um intruso, nem sequer é lixo, ele não é ninguém. Mas nesta estória de sobrevivência Ga-num cresce e o homem desajeitado desaparece. Ele arranja recursos e recorre à violência se necessário para lutar contra o destino que lhe querem atribuir e atravessar o mar amarelo. Daí a divisão em quatro capítulos: “taxista”, “o crime”, “Joseonjok” e “mar amarelo”. O enredo é extremamente intrincado e complicado de seguir e se “The Chaser” já tinha uma visão negra da sociedade e do crime, “The Yellow Sea” consegue acentuá-la ainda mais. A cinematografia acompanha esta visão desesperada ultraviolenta. Quanto à força policial, esta é ainda mais ineficiente do que no filme de estreia de Hong-jin, seguindo no entanto, a tradição do cinema coreano de ridicularizar as forças policiais do país. Qualquer thriller dramático que se preze tem um órgão policial cuja ineficácia é tão flagrante que os criminosos circulam livremente, cabendo pois aos heróis a reposição de um certo sentido de justiça ou a condução de uma vingança brutal. Contudo, é nas personagens que “The Yellow Sea” revela a qualidade superior. A Jung-woo Ha é permitido brilhar como o estrangeiro solitário na viagem mais importante da sua vida.
Gu-nam viveu preso durante toda a sua vida e quando é perseguido num país estranho pelo que fez e pelo que não fez, liberta-se das amarras e decide que não pretende mais viver enclausurado. A liberdade é a única coisa que lhe resta, visto que lhe tiraram a família, a terra e que não tenha mais para o que regressar se não as dividas e os bandidas que o atormentam com regularidade. Um homem que nunca fez grande coisa por ele e pelos seus, desperta do coma emocional e decide lutar contra as circunstâncias. Esta realização pode já ter vindo tarde. Se retirarmos todas as reviravoltas do argumento e traições esta é a estória de um homem que só quer regressar a casa. E uau, como é difícil. Quatro estrelas.
Realização: Hong-jin Na
Argumento: Hong-jin Na
Jung-Woo Ha como Gu-nam
Yun-seok Kim como Myun-ga
Cho Seong-Ha como Tae-won Kim
Próximo Filme: "Attack the Block", 2011
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