O que torna um filme bom? Regra geral, corresponde ao triângulo: Realizador, actores, história. Quando um desses elementos falha, não há muito mais a que nos possamos agarrar. Ok, pode ter uma banda-sonora daquelas, ou ser um estrondo em termos visuais mas não é isso que vai fazer dele um bom filme. No máximo, um filme de culto. Já o filme de artes marciais, um género dentro do género da acção não precisa ter grande qualidade. Pelo menos dentro da técnica cinematográfica. Só tem de se exceder na técnica percepcionada das cenas de luta. As narrativas redundam à volta do mesmo, geralmente homens adultos, numa senda de vingança que seguem de escaramuças em escaramuça, num grau crescendo até ao confronto final com o principal opositor. À mera menção do género, nomes como Bruce Lee, Jackie Chan ou Jet Li, (para citar apenas os mais conhecidos), vêm à mente. Outros quedaram-se pelos anos 80 e lá ficaram. Só o afecto residual por alguns desses senhores justifica obras como “The Expendables”, uma tentativa patética de uns quantos velhotes com idade para ficar em casa a contar os milhões ou a criar os netos vá, de espremer mais qualquer coisa das bilheteiras, através do aproveitamento de putos que nunca viram os filmes deles.
Iko Uwais
Não me entendam mal, nos anos 80, tal encontro seria o sonho de qualquer fã de acção. Mas à época, o excesso de ofertas de trabalho e o comportamento de “divas”, ditou que eles não partilhassem o ecrã no seu auge atlético. Na verdade, desde Bruce Lee e o seu Jeet Kune Du, que não se vê no ecrã cinema de artes marciais tão visceral. Tudo o resto é artifício, espetáculo. Luzes, câmara, acção. Até Jackie Chan e Jet Li, grandes artistas, no cinema como na mestria do físico, cederam às exigências do cinema de ficção. Jackie Chan sobressaiu com o seu carisma e humor naturais que, se não retiram necessariamente força às suas acrobacias, pelo menos fazem parecer que tal perícia, é mais fácil de dominar do que na realidade. Devido ao seu tão grande sentido de humor e agora, meia-idade, (eventualmente iria chegar, ou isso ou o grande acidente que o iria deixar paralisado de vez), nunca saberemos quão especial é a sua técnica, afinal. O Jet Li, veloz e furioso, foi rapidamente mastigado e deitado fora pela máquina de Hollywood. E, na verdade, é preferível que assim seja. Os argumentos made in USA nunca parecem capturar uma filosofia integrada que abarca aspectos entre os quais o wushu (arte marcial no sentido mais lato), sendo que quaisquer divagações existenciais, para um público-pipoca acabam por roçar o ridículo. A alternativa são as personagens unidimensionais e a “pancada de criar bicho”. Pois que Li volte então a oriente e por lá fique. Parece que só no cinema do este/sudeste asiático sabem realmente como eles são bons actores/lutadores. E nem me façam começar com o Vincent Zhao ou o Donnie Yen… E dentro do wushu, reina o kung fu, um lobby perpetuado (não que me queixe), pelo prolífico cinema de Hong Kong. Com o advento dos arames, das cenas excessivamente coreografadas e de truques inúmeros como o recurso às máquinas para disfarçar o que poucos artistas podem fazer sem se magoar, as artes marciais foram sendo progressivamente estilizadas e perderam, literalmente, impacto. Algumas demonstrações tornaram-se até graciosas, vide por exemplo, a melhor exportação do subgénero wuxia, “O Tigre e o Dragão”. Estes filmes de época são belos para a vista e as cenas de luta, quando praticadas por artistas com conhecimentos mínimos de wushu, são magníficas.
Johnny Tri Nguyen
Mas falta-lhes a espontaneidade e a agressão, falta a realidade na ficção. Curioso não é? Que a ânsia de escapismo seja grande mas, até aí, no mundo dos sonhos, se pretenda algo que nos puxe de volta para a terra, um ponto de identificação. O novo milénio trouxe um retorno às raízes, não sei se devido a uma percepção de antiguidade da espécie humana, associado a uma eventual crise de valores, a “menopausa da terra”, houve a necessidade de reciclar e reviver velhos temas, transformá-los em produtos de consumo para as novas gerações. Isto implica uma exploração até à exaustão de uns temas e um olhar fresco, sobre outros. Os filmes wuxia, por exemplo, voltaram a estar em voga, o que não sucedia desde os anos 80. E tem existido uma aposta nos novos talentos na prática de artes marciais, em países como a Tailândia e, imagine-se só, Vietname e Indonésia. Há uns quinze anos, quem alguma vez teria ouvido falar de um Tony Jaa, um Iko Uwais ou um Johnny Tri Nguyen. Quem teria algum dia ouvido falar de Muay Thai, Silat ou Vovinam? Há quinze anos, quem diria que filmes realizados nestes países, com produções e actores locais seriam exportados a nível mundial? Para não variar, a resposta reside a oriente, quais descobrimentos, com o ocidente a ter oportunidade de buscar conhecimento, inspiração e, (o tempo o dirá), o que exportar. E muitas destas artes até já existiam. Apenas, qual truque de ilusionismo, se desviava o olhar da audiência para onde todas as coisas eram “belas”. E belas são. Mas já não basta, queremos retornar ao local onde as coisas são o que parecem e a acção é crua, física, de contacto. Onde vibramos nos assentos, a respiração fica acelerada e damos pancadas inconscientes na almofada ou no parceiro do lado. Onde o cinema de artes marciais se torna, de súbito, emocionante outra vez e não o género menor que nos querem, por força suave, fazer crer.
Já me fizeste escrever um texto sobre o The Expendables lá no Andrómeda. Isto não se faz :p
ResponderEliminarEu não forço ninguém a fazer nada que não queira mas... Com tanta coisa, os Expendables?! Não arranjavas melhor?
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