Soo-ah (Ha-neul Kim) é uma antiga recruta da polícia que cegou há três anos, na sequência de um acidente de viação. Ela ainda tem dias maus, dias em que os nervos lhe toldam a concentração e parece tão desamparada como no dia em que experienciou pela primeira vez a cegueira total e permanente. Soo-ah recusa-se a aceitar a ajuda do orfanato que a acolheu e, não se sabe se o motivo por trás desta atitude é o orgulho ou o facto de achar que não a merece, por não ser alheia à responsabilidade no acidente que a cegou a vitimou o “irmão”. Um dia apanha boleia do táxi errado. O condutor é um assassino em série e Soo-ah está prestes a tornar-se a próxima vítima quando atropelam algo. Soo-ah cedo suspeita que atropelaram uma pessoa e aproveita a confusão do acidente para se escapulir das garras do homem estranho, transformando-se na testemunha improvável do desaparecimento de uma jovem mulher.
Entretanto, surge Gi-seob (Seung-ho Yoo), um jovem desenraizado e extemporâneo que põe em causa as declarações de Soo-ah. Ele semeia a dúvida sobre a credibilidade de uma testemunha já frágil, ao mesmo tempo que faz a própria Soo-ah questionar as suas capacidades. Para o caso é destacado o desajeitado mas bem-intencionado detective Cho (Hie-bong Jo) cujo instinto parece estar a milhas de Soo-ah e do assassino. Estará numa invisual a chave para a captura de um assassino que tem conseguido iludir a polícia? “Blind” é comedido nas personagens mas não se poupa a esforços para as caracterizar. O assassino é calculista, dissimulado, aterrorizante e brutal. A construção da personagem está ligada ao que de pior se pode conceber na existência humana, é conscientemente unidimensional, como se não merecesse mais respeito. Acto consciente é, também, a exploração de Soo-ah como uma mulher que a despeito da incapacidade recém-descoberta explora o melhor dos seus outros sentidos e da sua intuição de polícia. Já Gi-seob utiliza o confronto como modo de escape a situações incómodas e impedir que os que estão à volta o magoem. Ela perdeu o “irmão” com quem foi criada no orfanato e Gi-seob constitui em simultâneo uma recordação penosa e uma nova oportunidade, dando espaço a um laço que poderá ser a fronteira intransponível para um assassino que não conhece o afecto. O detective Cho parece retirado a papel químico da polícia de outros filmes mas revela competência ligeiramente superior. Ele contribui para o mito de que as forças da autoridade sul-coreanas têm um QI bastante inferior ao da população média. Quase como se fosse um requisito para se tornarem polícias. Com uma taxa de crime das mais baixas dos países desenvolvidos é normal que a polícia seja no mínimo, relaxada. Junte-se um sistema penal onde as penas são consideradas leves pela população e o sistema judicial é considerado desclassificado em efeito cascata. O ecrã não é mais do que o reflexo do senso comum da população.
“Blind” é a segunda incursão do realizador Sang-hoon Ahn nas longas-metragens, cuja primeira obra, “Haunted Village” foi um thriller sobrenatural, também tendo por foco uma personagem feminina forte mas com uma narrativa menos coesa e mais improvável. Erm, thriller sobrenatural?! A cena da autópsia improvisada ao cadáver de um cão permanecerá para sempre comigo… Enfim, a julgar pelas duas obras Ahn não deve ter grande impressão do melhor amigo do homem. A personagem de Soo-ah tem ainda algumas idiossincrasias: tão depressa apresenta capacidades sobre-humanas como as alterna com atitudes incoerentes com o treino policial e fraca habituação à condição de invisual. Há deduções demasiado brilhantes para ser reais! O grande problema de "Blind" reside na distribuição desigual de cenas de tensão. Após a primeira metade do filme existe uma cena de perseguição no metropolitano que é uma das mais enervantes (no bom sentido), que vi nos últimos tempos. O final, por contraste é quase anticlimático.
Mas desengane-se quem pensa que “Blind” é mais um thriller genérico. Ou melhor, a indústria cinematográfica sul-coreana alberga um verdadeiro dom que respeita a resgatar uma estória das malhas da vulgaridade e, se a não reinventa, tem pelo menos habilidade para a moldar e polir, sólida como um rochedo. Os sul-coreanos são os melhores contadores de estórias negras, perigosas e envolventes da 7ª arte. Eles não sabem como não fazer um bom thriller de assassinos em série. Devia existir alguma lei científica quanto a isso. É tão certo quanto a existência da gravidade, provas aqui, ali e acolá. Por isso, se tencionam passar ao lado de “Blind” por entender que retrata mais uma mulher desamparada contra um vilão superior, cometem um grande erro. Só não vê quem não quer. Três estrelas.
Realização: Sang-hoon Ahn
Argumento: Min-seok Choi e Andy Yoon
Ha-neul Kim como Soo-ah
Seung-ho Yoo como Gi-seob
Hie-bong Jo como Detective Cho
Yoeng-jo Yang como Myeong-jin
Próximo Filme: “Colic” (Colic: Dek hen pee, 2010
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