O quarto dia de festival, foi aquele em que a mensagem foi o meio e foi o fim. Também se revelou um dia inferior às expectativas.
Dia IV
Amusement Park
A mensagem de Romero
Esqueçam tudo o resto que pensam que sabem sobre George Romero e foquem-se apenas no seguinte: era um realizador altamente consciente da sociedade em que estava inserido. O racismo, o consumismo desenfreado, humanos como meros veículos de pulsões primitivas... nada lhe escapava. Será para sempre conhecido pelos filmes de zombies. Pensar neles como horror gratuito é no mínimo redutor. Por isso, quando este documentário perdido, foi encontrado e restaurado pela Fundação George Romero, instituída depois da sua morte, não assistir não era uma opção. Tudo à volta de "Amusement Park" é intrigante. Foi criado para uma campanha de sensibilização de uma Sociedade de Serviços Luterana do oeste da Pensylvannia com vista a dar visibilidade para o abandono e tratamento negligente dos cidadãos idosos. Chegou a ser lançado, sendo rapidamente esquecido e guardado. Só em 2017 foi encontrada a única cópia existente que passou por um trabalho de restauração. A sinopse? Um velhote simpático tenta aproveitar um momento de lazer num parque de diversões. À medida que o tempo passa, este vai-se tornando cada vez mais infernal e começa a testar o seu espírito.
"The Amusement Park" nada tem de divertido. É uma visão infernal da inevitabilidade do envelhecimento com tudo que de mau tem associado: a invisibilidade, a descrença, o paternalismo, a negligência e até asco. O velhote apenas quer divertir-se dentro das suas limitações e a humanidade egoísta não se pode dar ao trabalho de uma palavra de compaixão. O único momento de alívio advém na forma de criança mas até este é rapidamente posto de lado, devido aos adultos à sua volta. O filme é cansativo na exposição da sua mensagem, bombardeando continuamente os nossos sentidos. Não é uma experiência cinéfila agradável. Se a metáfora é óbvia, não parece existir uma mensagem de esperança. Saímos esgotados, vazios e pessimistas quando ao envelhecimento. Brilhante na mensagem, parco na execução. I was not amused.
In the Earth
Visões cósmicas ecológicas
É estranho falar deste filme um dia após assistir a "Gaia", concorrente direto na exposição dos mesmos temas. E no entanto, com todas as similitudes são muito diferentes.
Este "In the Earth" é Ben Wheatley no seu mais brutal. Percebo agora que ele está à vontade em qualquer cenário. Seja numa garagem com armas de fogo ou na clareira de uma floresta com gadgets tecnológicos, ele vai partir-nos a cabeça com o seu suspense e forçar-nos a sentir cada momento dos seus heróis torturados.
Joel Fry interpreta Martin um cientista que envereda por uma floresta com a sua guia Alma, para encontrar a Dra. Olivia Wendel que está a estudar aquele solo fértil em busca de uma solução para a humanidade na natureza. A viagem começa a correr mal quase de imediato. São atacados e despojados de mantimentos por desconhecidos e depois Martin é ferido e deixado a coxear descalço pela floresta. A aventura piora quando ficam à mercê de Zach, um homem há demasiado tempo na floresta e que venera uma entidade desconhecida. Para ele Martin e Alma são meros veículos. Um meio para atingir um fim misterioso. A Dra. Wendel não parece muito melhor. Desconectada da realidade. Louca? Desde cedo somos avisados que a floresta tem um efeito estranho nas pessoas. Será a loucura do isolamento? Algum processo químico nos fungos? A paranoia pós-pandémica?O par de protagonistas é sujeito a tortura por via humana e dos equipamentos colocados na floresta que provocam explosões de som, visões caleidoscópicas e flashes de luz encadeante. Estes, em particular são também capazes de desorientar e provocar respostas físicas na audiência. A organização do festival devia ter tido o cuidado de avisar o público para a natureza das imagens, designadamente, de fotossensibilidade. Tenho ainda a impressão de já ter visto visões caleidoscópicas mais interessantes no passado. Se gostam de rótulos, "In the earth" pode encontrar-se alegremente nos subgéneros de eco e folk horror com o ocasional gore. Hoje em dia mesmo filmes mais contidos já apresentam o seu q.b. de gore. Num filme de Wheatley, tal não surpreende. “In the Earth” provaria ser inferior às expectativas mas ainda assim consistente o suficiente para fazer avançar o género eco-horror, o qual, suspeito, num contexto de alterações climáticas ainda se vai multiplicar e democratizar nos próximos anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário