Diz que ele surgiu do nada. Forte e brutal como sempre são os homens
movidos pelo desejo de vingança. Ele não esquece e ele não pára. Por trás da
espessa cabeleireira que lhe esconde uns olhos tímidos está também um homem
magoado que tudo fará para isso não suceda de novo. Ele isola-se, ele cria uma
nova vida, uma nova identidade. Ele desaparece do mapa e reaparece num antro de
perdição e pequena criminalidade, onde as crianças são deixadas ao abandono e
têm como progenitoras, prostitutas drogadas que lhes chamam “lixo”. Mas ele não
quer saber disso, ele não quer saber de nada, escondendo-se atrás do cabelo
espesso, atrás das grades da sua loja de penhoras. Dá para ir vivendo, “sem me
preocupar com nada, sem me envolver”. So-mi (Sae-ron Kim) é uma pequena
endiabrada, nascimento indesejado, um grande fardo. Ela sobrevive à custa de
pequenos furtos e de se imiscuir na casa dos vizinhos que lhe dão de comer. Se
não, provavelmente, a mãe não se lembrava dela. Cha Tae-sik (Bin Won) tem a sua
preferência. A menina vê o que está além do cabelo desgrenhado, da tez
endurecida e vê nele o seu protector. Um paizinho emprestado. A sua relutância
está lá, sempre presente, resultado de um passado que ela não conhece nem lhe
interessa. Ela preocupa-se com ele e quer que ele faça parte da vida dela.
Certo dia, Hyo-jeong (Hyo-Seo Kim), a sua mãe arranja sarilhos com as
pessoas erradas. Gangsters da pior espécie e ambas acabam por ser raptadas. O
insensível, inacessível Tae-sik, sente o peso da responsabilidade de procurar
uma criança que ninguém procura, ou deseja e algo desperta dentro de si. O
“velho” Tae-sik, que vem de nenhures volta à superfície e recusa-se a parar,
até encontrar So-mi a única neste mundo, que não se esqueceu dele. Tae-sik
aterra num antro de corrupção, tráfico de droga, órgãos e mão-de-obra escrava,
o submundo do crime no seu pior. Estes julgam que Tae-sik é um novo jogador,
que por tanto atrevimento deverá ser eliminado. A polícia, sempre um passo
atrás do homem que veio de nenhures julga-o um criminoso perigoso que deverá
ser detido a qualquer custo.
Filmes de perseguições implacáveis, de vinganças bestiais são uma realidade comum
no cinema coreano. Muitos são os artigos que focam a obsessão pela vingança do
cinema coreano. A trilogia da vingança de Chan-wook Park, “I saw the devil”, “Bedevilled”,
são impreterivelmente referidos e também infalivelmente de uma qualidade
superior. “The Man From Nowhere” não é a excepção. Com um argumento bem
construído, um personagem principal intrincado, uma actriz-criança talentosa e
o histórico que assiste a este filme, o que podia falhar? Na verdade, um dos
aspectos mais interessantes de “The Man from Nowhere” é a perspectiva
tripartida: heróis, maus e polícia. Temos um gosto de todos os mundos, que nos
permite conhecer todas as partes, mesmo que a maioria das vezes os maus
continuem a ser muito maus e os polícias pouco espertos. Há muito pouco daquela
vingança cega a que se assiste em quase todos os maus filmes de vingança, de um
herói muito bom contra o mundo. Além disso, o prólogo, apesar de parco em
informação acerca da história de Cha Tae-sik, é rico na compreensão da relação
entre ele e So-mi. Mas além da mãe viciosa e dos maus de malicia elevada ao
extremo também existe um Ramrowan (Thanayong Wongtrakul), um alívio
bidimensional por poucas falas que tenha.
Jeong-beom Lee, apenas no seu segundo filme, constrói uma bela peça de
vingança sem cair na brutalidade por si própria e capitaliza com sucesso sobre
o talento de Bin Won que com uma meia dúzia de filmes no currículo, incluindo “Mother”
(2009), onde desempenhou o papel de um jovem um pouco lento injustamente
acusado de homicídio é, hoje considerado um dos actores mais populares da
Coreia do Sul.
Se por um lado, “The Man from Nowhere” tem uma mensagem de esperança,
no facto de haver alguém disposto a lutar por quem não tem nada, nem sequer
perspectivas de vida, por outro, é um retrato assustador de uma sociedade
indiferente. Se não tivermos um herói, mais ninguém irá tentar resgatar os
inocentes das teias do mal. Três estrelas e meia.
Realização: Jeong-Beom Lee
Argumento: Jeong-Beom Lee
Bin Won como Cha Tae-sik
Sae-ron Kim como So-mi
Hyo-seo Kim como Hyo-jeong
Thanayong Wongtrakul como Ramrowan
Thanayong Wongtrakul como Ramrowan
Seong-oh Kim como Jong-seok
Hee-won Kim como Man-seok
Tae-hoon Kim como Chi-gon Kim
Tae-hoon Kim como Chi-gon Kim
Próximo Filme: "Silk" (Gui Si, 2006)
Gosto muito!
ResponderEliminarUma prova cabal e pragmática de como as melhores histórias de vingança em Cinema, hoje em dia, provêm da Ásia (nomeadamente, Coreia do Sul e Japão).
Cumps cinéfilos.