sábado, 17 de agosto de 2013

É um filme de monstros, duh!


Quando já todos deram a sua opinião (ainda que indesejada) sobre “Pacific Rim”, eis que o Not a Film Critic, surge atrasado e fora de contexto na luta pela 34959434879 crítica. Na verdade, o que motivou este arranque tardio, bem depois do tiro de partida foi o aparecimento obsessivo de algumas vozes condescentes: “o filme é mau e nós vamos explicar-vos porquê”. Que interessa que o público até pudesse gostar do filme? Mas é a velha história, o papel do crítico é: “traçar a luz sobre”, “indicar”, “encaminhar”, sem se entusiasmar demasiado com isso. Porém há alturas em que os iluminados, inspirados pela raiva do sucesso ou pelo facto de o seu objecto de ódio de estimação, constituir antes um grande amor, se esquecem de tecer grande luz ele. A conformidade e racionalidade sobrepõe-se à necessidade de informar aqueles que procuram as suas palavras para conduzir (nunca substituir), as suas opções de visionamento. Segue-se pois um período de decomposição à unidade mais mínima, mais miserável, para comprovar, a ele e aos outros por que é que “Pacific Rim” é mau. É o criticocêntrismo, misto de enfoque excessivo na crítica com o cepticismo advindo de já ter visto muitas, demasiadas obras. Curiosamente, num site com nome jocoso de que poucos parecem dar-se conta e tido como respeitável, o “Rotten Tomatoes”, apresenta uma taxa de aprovação de 71%. O horror. O crítico especialista Bob Grimm do conhecidíssimo “Reno News and reviews” diz tudo: “It’s stupid but I liked it”. Façamos um momento de silêncio para apreciar a imensidão destas palavras. Aqui, seguindo as tendências da moda, laivo infeliz de criatividade, vamos realizar o mesmo processo mas de uma perspectiva inversa. O Not a Film Critic vai provar que o “Pacific Rim” é um bom filme e que possui um grau de profundidade aceitável para que não o considerem acéfalo e sim digno do pagamento de um bilhete de cinema. Se não gostam de “Pacific Rim” porque é básico, então vamos procurar argumentos para provar que o filme é profundo e por conseguinte gostarem dele. Segue-se pois um conjunto de palavras previamente estudadas para conferir uma pseudo-intelectualidade ao conteúdo, que o torne pois, credível.

Sinopse: Do misterioso oceano Pacífico começa a emergir um conjunto de monstros que invadem em vagas sucessivas as áreas costeiras, deixando atrás de si um rasto de destruição. Depois de toda a artilharia conhecida falhar, a humanidade junta-se para iniciar o programa Jaeger, que visa criar robots à escala dos atacantes que sejam capazes de os neutralizar. À beira da derrota final o Marechal Petecoast (Idris Elba), convoca os últimos robots operacionais para um ataque derradeiro.

A defesa da criatura revelou-se mais difícil que o esperado pois, a cada novo dado, surgiam mais duvidas. Imaginem então, num cenário hipotético (o do filme vá), que as nações costeiras começam a ser atacadas por monstros que saem de uma brecha no Pacífico. Como lá chegaram não se sabe. Como nunca tinha ainda sido detectada ainda menos, mas façamos o esforço de acreditar. Por muito interessante que seja a corporização de um holocausto nuclear num monstro por uma nação traumatizada, à la “Godzilla”, a verdade é que para muitos este filme é ainda apenas sobre um monstro que invade uma cidade e destrói tudo o que lhe aparece à frente. Do mesmo modo “Pacific Rim” identifica um inimigo distante, o alienígena, porque as possibilidades são infinitamente mais interessantes. Além de que não existe o perigo (óbvio?) de o transformar numa metáfora qualquer que ofenda alguma nação do planeta.
Divago. Os monstros crescem em número e poder destrutivo. O poder bélico do Homem não está à altura destes seres. Claro, tantos anos a desenvolver armas químicas e nucleares contra atacantes invisíveis, como poderiam ter algo à altura de um monstro gigante? A ideia brilhante surge na forma de um robot gigante, uma “big, mean, fighting machine”, que consegue distrair, afastar das costas e aniquilar (na melhor das hipóteses), os monstros. O robot é operado por uma dupla que luta corpo-a-corpo com a besta, com a assistência de um centro de apoio distante que lhes fornece instruções de localização e atividade do alvo. Isto levanta logo à partida, uma série de questões. Porque é que o combate não é conduzido à distância? A tecnologia para o efeito já existe. Não me vão dizer que não é possível enviar instruções para a máquina realizar a parte mais simples que é seguir indicações de combate. Mais porque terá o Homem de estar envolvido no processo? Será algum complexo de Super-herói? Recorda-me aquela cena marcante do “Independence Day” (1996), em que os pilotos de aviões vários se sacrificam pela grande causa de combater os alienígenas e mandá-los para seja lá onde for que vieram. Já na altura o envio de aviões sem tripulação era uma impossibilidade… É assim tão insensato deixar a perícia do combate para uma entidade programada para tal? Alguns poderão argumentar que a máquina só iria “agir” dentro do que lhe foi “ensinado”, escapando-lhe a capacidade de improviso. Mesmo que esta se revele estritamente necessária por que não deixar o ónus para uma inteligência artificial? Medo que a máquina se rebelasse contra o criador? Hello?! A humanidade está a ser atacada por monstros gigantes e está a perder. A situação não pode ficar pior do que já está. Mas sim, admitamos que se o Homem tem grande capacidade de improviso, também é verdade que ele tem o talento de tomar decisões irreflectidas nos piores momentos possíveis, com consequências terríveis. O erro humano, esse, é um dado adquirido. Significa morte, a perda do combate, perdas de vidas, danos de milhares, já para não falar da perda irrevogável do robot.

A ligação à máquina é um dos aspectos mais interessantes e polémicos do processo. Por muito que del Toro negue a influência (ele deve julgar que os Geeks são el totós), o anime “Neon Genesis Evangelion” (1995) é estranhamente familiar. Os pilotos estão conectados à máquina mediante um sistema neural que lhes permite, entre outras coisas, aceder às mentes uns dos outros, ver as suas memórias. Eles atingem um nível de sintonia tal, que agem como um só. Isto esclarece, creio eu, leiga nestas coisas de funcionamento do cérebro (e, infelizmente, não tenho aqui um António Damásio ao lado para me explicar), porque é que um dos pilotos comanda as operações. Duas mentes não podem desatar a mandar informações díspares ao mesmo tempo, uma terá forçosamente de liderar. Portanto temos que o Herc Hansen lidera a equipa de pai e filho do robot Stryker Eureka, Yancy Becket a equipa de irmãos do "Gipsy Danger" e assim sucessivamente, numa espécie de mente dominante/mente dominada que, em qualquer dos casos, não abona nada a favor das mentes passivas. Há toda uma série de questões em torno do habitáculo para sobrevivência em ambientes hostis: espaço e oceano. Os robots adaptam-se às duas situações com uma facilidade surpreendente. Não se admirem se no futuro se encontrar um “Pacific Rim 2: Space Invaders” (não me julguem).



Há apenas cinco equipas e as origens são perfeitamente óbvias: E.U.A (como podiam não estar presentes? O ego deles não iria aguentar tal ultraje), Japão (quanto a mim, os pais dos mecha, i.e., robots gigantes), Rússia (ecos da URSS, alguém?), a China (com o estereótipo dos pilotos versados em Kung Fu) e a Austrália (porque é fixe ter a representação da Oceânia por oposição dos primos da velha Europa). Número estranhamente diminuto. Os robots são gigantes, o que se denota nas cenas de combate citadino, por entre os arranha-céus e a sua construção deve ser demorada mas com não sei quantos biliões de pessoas unidas contra a extinção, a mão-de-obra não deve constituir grande problema. A base do sucesso industrial dos EUA assenta no Taylorismo (vamos fingir que a bancarrota de Detroit nunca sucedeu) e as fábricas chinesas são mais conhecidas por produzir em quantidade do que pela qualidade (desculpem?). Logo, o problema é? Abandonemos esta desconstrução mecha e passemos para outras preocupações. Como isto da politiquice parece ser um mal comum a toda a humanidade e provavelmente gastos também, os Governos decidem abandonar os robots e avançar para a criação de um muro continental de protecção. Como complemento faz todo o sentido mas como único meio de defesa? A sério? O que iriam fazer assim que um dos muitos monstros que entretanto se iriam amontoar do lado exterior do muro conseguisse abrir uma brecha? As bombas revelaram-se, até ao momento, inúteis. E a desigualdade associada? São construídos muros, qual muralha da China, junto às áreas costeiras banhadas pelo Pacífico. Então e a restante população? A última vez que verifiquei o oceano cobria 70% da Terra. Se os monstros contornassem a barreira de defesa iriam atacar áreas desprotegidas. Mais um muro da vergonha, quer-me parecer. Os monstros quase que nem precisavam de atacar era a implosão política. Curiosa esta maneira de pensar tão embrenhada na cultura cinematográfica, onde os políticos acabam por ser os opressores ou indignos representantes de um povo, preferindo defender interesses externos. Logo a seguir vêm os militares, que alternam entre a obsessão bélica e a defesa dos interesses do povo. O Marechal Pentecost (Idris Elba) é o homem que balança com sucesso os dois lados da balança. Ele interpreta uma espécie de paizinho da humanidade, duro mas justo, corajoso perante a adversidade, implacável contra os monstros destruidores. No entanto, a personagem fica muito aquém daquilo que Idris Elba é capaz. Quando chega a altura do discurso e, qualquer filme com o selo Jerry Bruckheimer ou que inclui as temáticas como invasão alienígena, terrorismo, Tolkien, tem O DISCURSO, o argumento apresenta uma das versões mais pobres desse momento icónico. “Hoje cancelamos o Apocalipse”. Uau. Só isso? Deviam ter deixado um parágrafo inteiro em branco e dizer ao Elba para improvisar (“in Luther we trust”). De notar ainda a Rinko Kikuchi e Max Martini os outros dois actores com carisma de “Pacific Rim”, mas ainda assim a um passo distante da pequena profissional Mana Ashida ela que foi Manami em “Confessions” (2010), um dos filmes preferidos daqui do burgo. A tentativa menor e falhada de conferir algo tipo de cientificidade a um filme que faz da ciência motivo de risada, pertence a uma dupla de actores que conseguem a proeza de constituir-se como a coisa mais irritante em todo o filme. Aquilo a que muitos apontam o dedo no momento de desferir o golpe final nos filmes de acção e ficção, que é a ausência de explicação, quando surge, redunda no seu pior. Um grupo de actores, personagem secundário apenas para o espectáculo visual.

Uma das primeiras narrativas que as crianças aprendem é a da luta do bem contra o mal. Elas interpretam o papel do mau ou do bom à vez. Invariavelmente há discussões porque está bem de se ver que 99% da pequenada prefere o papel de “bom”. Embora deva estar relacionado com o facto de na luta derradeira os bons vencerem sempre. É uma narrativa que acompanha toda uma vida, com contornos relacionais e situacionais cada vez mais complexos. É essa narrativa, tão básica que podia ser considerada idiota, que se encontra na derme das camadas de metal de “Pacific Rim”. Mais que não seja, haverá algo mais delicioso e perigosamente infantil do que ver um monstro levar com um navio de guerra no focinho?

Nota Final: A lógica descreve tudo quanto está errado com o filme, a emoção é o que, em última análise, nos leva a ir ao cinema, a procurar o streaming online, o DVD, as repetições na Televisão… Se assim é, utilizar a lógica para classificar um filme cuja adoração a desafia não será pouco inteligente?

3 comentários:

  1. "Alguns poderão argumentar que a máquina só iria “agir” dentro do que lhe foi “ensinado”, escapando-lhe a capacidade de improviso. Mesmo que esta se revele estritamente necessária por que não deixar o ónus para uma inteligência artificial? Medo que a máquina se rebelasse contra o criador?"

    Bom, ele até já lá tinha a GlaDOS...

    "A ligação à máquina é um dos aspectos mais interessantes e polémicos do processo. Por muito que del Toro negue a influência (ele deve julgar que os Geeks são el totós), o anime “Neon Genesis Evangelion” (1995) é estranhamente familiar."

    O Del Toro sempre disse que nunca viu Evangelion - o que, diga-se de passagem, é perfeitamente plausível. Já o argumentista, ao que parece, é um grande fã. Não sei se isto pode explicar o ponto.

    "Os monstros quase que nem precisavam de atacar era a implosão política. Curiosa esta maneira de pensar tão embrenhada na cultura cinematográfica, onde os políticos acabam por ser os opressores ou indignos representantes de um povo, preferindo defender interesses externos."

    Na verdade, acho a muralha um dos pontos mais brilhantes do filme - uma crítica muito subtil mas perfeita à mentalidade do político de hoje em dia, que prefere esbanjar dinheiro de forma inútil a tapar um problema do que a enfrentá-lo de frente. Nós, como habitantes da União Europeia, devíamos saber isto melhor do que qualquer outro povo..!

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  2. João Acho a questão da muralha tudo menos subtil. A ideia de varrer os problemas para trás das costas. E as discussões à porta fechada sobre o facto de "os robots custarem milhões, dos colaboradores que são necessários, meses de treino intensivo, a possibilidade de alguns meninos decidirem tornar-se independentes e tentarem tomar um robot para eles, incidentes diplomáticos referentes ao cruzamento de fronteiras..."

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  3. Mas não é assim que a política funciona hoje em dia? Olha para a Comissão Europeia, para o BCE, para a Administração Obama e para o Fed. Nessa perspectiva, acho que o filme foi subtil e mais certeiro do que os mísseis do Striker Eureka.

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